A mulher, deitada no relicário de vidro, exala os últimos suspiros. Não lhe vejo a cara, porque jaz envolta numa mortalha de linho branco, como uma múmia. A igreja é escura, de contornos disformes, e o tecto tão alto que chega ao céu. Na verdade, parece não ter tecto: vejo o manto negro da noite estrelada e a unha curvada e fina da Lua em quarto crescente.
Leio-lhe
versos de Anunciações, à mulher que ninguém vela,
“Ele
vai enumerando
as
tentações
em
que ambos sempre caem
entre o mal e o pecado
a nudez e o desejo
o beijo e o abraço
o prazer em que
se cumprem
e o gosto do recomeço
os corpos onde entretecem
a paixão e o segredo
entre a luz e o orgasmo
chegando à raiz do medo”
eu,
que nunca sonho, sonhei com a palavra de Maria Teresa Horta. E, quando raramente
sonho, não é bem um sonho: são fragmentos, absurdos e dispersos, como estes.
Foi-se
o corpo, apenas. Não há nada que possa verdadeiramente morrer em Maria Teresa
Horta.