Os
últimos dias de Abril trazem-me sempre aquela cordilheira de nuvens negras
descendo da serra à janela do meu quarto, para desaguar, penitente e
silenciosa, no mar à minha varanda. Parece um tsunami, mamã, e parecia
mesmo, a parede espumante e brumosa, um tsunami suspenso no espaço e no tempo.
De
resto, também lamento não estar em Roma, por estes dias. Aproveitar-me-ia, tão
descaradamente quanto outros, do tributo a Francisco para revisitar a cidade
onde, seguramente, já vivi outras vidas, porque só isso explica a comoção que
me toma quando chego e a saudade que me morde quando volto. E foi por um triz,
porque estive quase quase, Milão-Roma no início da Semana Santa, mas, mudei de
ideias, peguei no carro e rumei a Bordéus. Uma loucura. Ninguém mais me apanharia num
avião, se pudesse percorrer o mundo de automóvel. E também gosto muito de
França, confesso. Pergunto-me sempre de que se queixam os franceses, tanto e
tão furiosamente. Talvez porque não sou tão francesa. Levo o tempo a amaldiçoar
os atalhos em que o waze me mete, para depois me render àqueles caminhos
de ninguém, seculares, e de elegância discreta. É uma liberdade fácil, esta, a de
escolher estradas pelo mapa, sem que o meu mundo se curve à gravidade do tempo.
Morreu o Papa Francisco, e o vice-presidente dos EUA foi a última figura pública a encontrar-se com o homem que fez do Homem a sua missão cristã maior. E eu, que não sou nada dada a amar um próximo qualquer como a mim mesma, penso que seria agora tempo de um daqueles pequenos milagres, uma espécie de Easter Carol com um J.D. Ebenezer Scrooge Vance a deixar-se tocar pela compaixão de Cristo, de regresso à Casa Branca de momento ocupada por um megalómano narcisista, servido por mafiosos e apostado em fazer-se adorar com artimanhas de má fé. “E o diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento todos os reinos do mundo. E disse-lhe o diabo: dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue, e dou-o a quem quiser. Portanto, se me adorares, um dia tudo isto será teu”. Enquanto não, long live Bernie Sanders. Estará longe da santidade, mas, se anda na estrada, a esgotar comícios por toda a América, acompanhado por Alexandria Ocasio-Cortez (com quem simpatizo bastante), num combate cerrado a Donald Trump, parece-me bem e necessário. Sei que desejei que deixassem o bruto ser bruto até à náusea daqueles que o veneram e, com assinalável assombro, vêem nele a proficiência de saber sempre de que lado está a manteiga, ou lá o que era, um talento imperial para o progresso social e económico, senão de todos, ao menos dos que vão ao beija-vamos-dizer-mão, para elevar o tom, mas não pensei que a coisa, que a causa, ficasse tão descontrolada. Se acreditar no Céu, talvez possa crer também no eterno Inferno, onde hão-de arder, à direita do outro, todos esses homens de bem.