terça-feira, 29 de abril de 2025


Sobre o apagão. 

Vim para casa, li um livro e menti à minha mãe (enquanto o velhinho short message service ainda funcionou, já que fiquei imediatamente sem acesso ao whatsapp e às chamadas de voz): que sim, que tinha a tal reserva de comida e água para dias de incerteza, como ela e a minha irmã fazem e me aconselham há anos. Há coisas em que sou bastante descuidada, mas prometo que quando a paranóia acalmar será uma das primeiras coisas na minha lista. Entretanto, sobrevivemos. O meu filho teria uns três anos, creio, quando apanhou escarlatina, mas ainda não sabíamos que era escarlatina – tinha febre, manchas vermelhas no rosto e no corpo e o diagnóstico de sempre: era uma virose. Quando o levei ao hospital pela segunda vez em menos de oito horas – porque acordou de madrugada com febre altíssima e a fugir dos bichos, os ouriços que estampavam os lençóis de que ele gostava tanto e nunca mais suportou –, disse à médica que por favor não, a virose já não me convencia. Depois de me dizer que estava segura de ser escarlatina, mas pediria o teste para confirmação, confessou-me uma coisa extraordinária: sabe, quando vemos estes quadros de manchas e febre e não sabemos bem o que é, dizemos que é uma virose. Exactamente assim, e recordo-o várias vezes. Ontem também, a propósito de todos os palpites sobre a origem do apagão: quando ninguém sabe, inventa-se. Mas há uma coisa que sobra, e é bom de saber e sentir: é verdade, há quem corra para os supermercados e esgote a água, as conservas e não sei se o papel higiénico, como na pandemia, mas prevalece uma certa sobriedade onde ainda nos entendemos sem ordens maiores.