terça-feira, 25 de julho de 2017

(Ir)Responsabilidades...

Há dias em que se torna particularmente penoso (ainda que só) passar os olhos pelas notícias. Parece que, momentaneamente (para alguns, o momento prolonga-se indefinidamente…), a razão, o sentido crítico (ou outro qualquer), a lucidez, a inteligência ou, tão somente, a competência, deixam de pairar sobre aqueles que têm a obrigação de, uns, governar, outros, informar.

O país continua suspenso das explicações (ir)responsáveis e mais ou menos manhosas acerca de dois acontecimentos recentes e difíceis de tolerar em democracia ou nos ditos países civilizados (parece a mesma coisa, mas não é bem): Pedrógão Grande e os seus mortos, que a todos deve envergonhar, e o assalto a Tancos.

Uma tragédia como a de Pedrogão Grande nunca deveria acontecer em país nenhum; mas nunca poderia ter acontecido num país como Portugal. Ainda sinto uma náusea profunda quando penso que alguém, no nosso país, pôde (pode?) perder a vida estupidamente encurralado numa estrada nacional, sob um calor infernal, pois de inferno se tratou em mais do que um sentido. A somar-se à tragédia, à morte gratuita - e, por isso, insuportável - e à dor daquelas famílias, junta-se a despudorada inabilidade do governo para encontrar respostas e soluções que sosseguem, que nos sosseguem, e que honrem a memória dos que perderam a vida de forma tão insana.

António Costa começou por achar por bem não adiar o seu mais que merecido descanso. Afinal, as férias já estavam marcadas e o primeiro-ministro esteve sempre contactado e contactável e, portanto, sempre a par dos acontecimentos. O problema é aquela velha máxima: em política, o que parece é e o que pareceu é que o primeiro-ministro não considerou que a dimensão e a gravidade da tragédia de Pedrogão fossem suficientes para não ir de férias.

Passados os banhos, agora não nos entendemos quanto ao número de mortos. Como se o facto de um só morto que fosse como resultado do completo desnorte que se viveu naquele fatídico fim de semana não fosse suficiente para inibir António Costa de afirmar que o governo não contabiliza os mortos. “A dimensão desta tragédia não se mede pela dimensão dos números.” Pois não. Mas a dimensão dos políticos, a dimensão dos Homens, mede-se pela capacidade de lidar com as tragédias, principalmente, com as de colossal e dolorosa dimensão. Bem sei que a ligeireza ou a (muito útil) descontextualização das palavras e afirmações encobrem, muitas vezes, a profundidade dos sentimentos e dos pesares, mas, lá está, em política…

Os dramáticos e irremediáveis fogos de verão têm destas coisas. Deixam-nos um pouco alienados. Hoje, na sic notícias, vejo um jornalista mostrar a gula impiedosa das chamas descontroladas junto a uma casa, em Mação; está tão próximo que diz sentir o fogo queimar-lhe as costas, fala de uma “segurança relativa nos próximos segundos” e reclama com o bombeiro que tenta afastar a equipa da sic do local: “estou em directo, não pode fazer isso, desculpe lá”. Antes, ainda tinha pedido ao operador de câmara para “entrar” e mostrar os bombeiros… Ensandecemos? Bem sei que, em circunstâncias extremas e por dever de profissão, há jornalistas que fintam a sorte e pisam o risco chegando mesmo a colocar em jogo as suas próprias vidas, mas será esta uma dessas situações?

Entretanto, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o general Pina Monteiro foi ao Parlamento esclarecer qual do material roubado em Tancos é que, efectivamente, estaria seleccionado para ser abatido. Não era “todo” o material. Eram só os “lança-granadas foguetes” que “provavelmente não terão probabilidade de funcionar com eficácia.” Estamos todos muito mais descansados. Se não fosse tão grave, podíamos brincar às guerras, como o saudoso Raúl Solnado: "eles bombardeavam às segundas, quartas e sextas, e a gente bombardeava às terças, quintas e sábados". E lá vamos vivendo…


quarta-feira, 19 de julho de 2017

"Crianças no Daesh"

A SIC emitiu uma reportagem centrada na violência extrema a que são sujeitas as crianças raptadas pelo Daesh. A reportagem, da autoria do jornalista Henrique Cymerman, dá voz às atrocidades a que estas crianças são submetidas, desde tenra idade, e é preciso “ter estômago” para ver este trabalho até ao fim.

Ouvir crianças descrever como foram ensinadas a matar, a decapitar, primeiro com “bonecos e, depois, com gatos”, é de uma brutalidade atroz. Ver o corpo de uma criança de dez anos deformado pelas cicatrizes que ficaram depois de ter sido atingida a tiro por militantes do Daesh provoca-nos uma náusea incontrolável. Como é possível? Que gente é esta que não hesita em arrastar crianças (meu Deus, crianças!) para uma guerra em nome de uma religião? Que religião é esta que exige que os seus devotos ensinem crianças, algumas, de quatro(!) anos, a pegar numa arma para matar “infiéis”?

Na reportagem, um menino de três anos não consegue controlar as lágrimas quando ouve a referência ao Daesh. E eu não consigo continuar a ver. Levanto-me e vou beber um copo de água. Um copo de água...a banalidade do acto é, ela própria, uma crueldade que me devolve, violentamente, a lembrança da perversa privação a que estes meninos e meninas foram, são ainda, obrigados.

Quando volto, um outro menino (este de dez anos) relata, com uma assustadora lucidez e crueza, como viu crianças a decapitar outras crianças, como lhe diziam para “cortar cabeças” e deixá-las junto aos corpos, visíveis, para os cães comerem…

Os elementos da equipa de resgate pagam dez mil, vinte mil dólares para salvar mulheres e crianças das mãos desta gente insana.

As crianças resgatadas chegam aos campos de refugiados profundamente traumatizadas, de uma forma que, nós, ocidentais, no conforto das nossas casas, dificilmente poderemos imaginar.

Às vezes, ocorrem pequenos milagres e alguns elementos de uma mesma família reencontram-se, quando já se julgavam sozinhos. E, mesmo assim, é assustador ver como uma das crianças, uma menina, chega ao campo e parece não estar lá… está apática, perdida, talvez ainda não acredite que foi salva. Imagine-se o que terá passado, no seu cativeiro.

Mas, para mim, o maior milagre é ver como as crianças ainda mantêm a capacidade de brincar e de sorrir…


quinta-feira, 13 de julho de 2017

Fantastic Guy!

Assistir à tomada de posse de Donal Trump, nomeadamente, ao discurso (se é que se lhe pode chamar assim) do homem, teve em mim, o mesmo efeito que assistir à queda das torres gémeas, em Setembro de 2001: olhava, incrédula, para o ecrã à espera que alguém me acordasse do pesadelo ou que, à custa de tanto ver e rever as imagens, acabasse por digerir a imensidão da tragédia. Agora, como antes, continuo a fazer um esforço por racionalizar os factos e, sobretudo, os motivos que levaram uma nação, como os Estados Unidos, a eleger como seu(?) presidente um homem como Donald Trump.

À era da pós-verdade, seja lá o que isso for, Donal Trump e a sua corja vieram juntar os “factos alternativos”, esse fantástico e inacreditável eufemismo para a “mentira repetida mil vezes” que se torna “verdade”, lembram-se? Pois.

Para Donald Trump e seus aliados, a verdade pouco importa, a realidade não existe. Ambas podem ser adaptadas a cada momento, ponto final!  “If the facts don't fit the theory, change the facts.”Ou, simplesmente, press delete, o que eu disse ontem, foi ontem, hoje é um novo dia! Não vivemos nada na “Alemanha Nazi” e os tipos da CIA são fantastic guys. Isso e o milhão e meio de pessoas que encheram a Avenida Pensilvânia, na maior audiência da história da tomada de posse de um presidente americano, ah, isso é que foi! E, não interessa nada, mas também não choveu, só choviscou e foi já depois de o presidente se ter retirado. Os que não concordarem com isto serão despedidos, so help me God!

Donald Trump encarna, na sua loucura megalomaníaca, o salvador do Mundo. Convictamente. Ele vai acabar com todo o mal à face da Terra, seja o ISIS-barra-Daesh-barra-Estado Islâmico, seja a droga, seja a “carnificina” que alastra pela América, seja, simplesmente, todos os não estão com ele, porque, se não estão com ele, estão contra ele. E ninguém está contra Donald Trump! Ele é O homem, Ele vai fazer a America great again! E Deus olha pelos americanos, fala com eles através de Trump, que fará da América uma espécie de reino de Deus ao vivo e a cores. Só não se dança porque depois do “My Way” já se percebeu que O homem não tem jeito para aquilo. Ponto final!