quinta-feira, 24 de agosto de 2017

"Race and Terror"

Christopher Cantwell entregou-se à polícia.

Eu nunca tinha ouvido falar de Christopher Cantwell até aos dramáticos acontecimentos de Charlottesville. Christopher Cantwell é um supremacista branco (a expressão causa-me urticária, a mim, que sou tão branquinha que ouvi todas as piadas parvas possíveis sobre a cor da minha pele), assume-se como membro do movimento alt-right e liderou a manifestação na Virgínia. Mas, antes da manifestação, deixou-se acompanhar e entrevistar por Elle Reeve, correspondente da VICE News Tonight.

Movida de uma curiosidade tão mórbida quanto urgente para tentar perceber o que move homens como Christopher Cantwell, fui ver a reportagem.

Fico logo a saber que alguns dos manifestantes viajaram 12 horas de carro para chegar a Charlottesville, pelo que, a causa deve ser nobre. Não é?

Christopher Cantwell fala com a jornalista sempre num tom exaltado. Refere-se aos brancos como “companheiros”; aos não brancos refere-se sempre em tom rude e insultuoso. E perde a (pouca) paciência pelo facto de Elle Reeve se lembrar do nome de “brancos” que levaram a cabo actos de violência, mas não ser capaz - ou recusar-se a - nomear qualquer um dos responsáveis pelo “nine/eleven”. Na sua exaltação começa a referir algum do armamento que transporta e afirma estar a preparar-se para se tornar ainda mais capaz de actos de violência. Fala também da expectativa de propagar os seus ideais na expectativa de encontrar alguém “mais capaz”, alguém como Donal Trump, mas que não entregue a sua filha a um judeu. Mais racista do que Donald Trump. As palavras são suas.

A indignação de Christopher Cantwell estende-se à enorme afronta que representa, para alguém como ele, alguém que tem a mesma opinião que ele sobre a raça, ver o “bastard” do Kushner “walk around” com aquela rapariga linda! E eu a pensar que o tipo, para judeu e ligeiramente parvo, até nem estava nada mal!

As imagens passam para a manifestação. De um lado, os manifestantes da extrema direita assumida, do outro lado, os contramanifestantes, que alguns dizem ser de extrema esquerda. Os extremos nunca auguram nada de bom, mas a diferença entre as palavras de ordem e a indumentária é evidente. Basta ver as imagens. A violência e o confronto físico tornam-se inevitáveis. Quando Christopher Cantwell é atingido, aparentemente, por gás pimenta, alguns companheiros saúdam-no: “Heil Cantwell!”. Acusam “os outros” de serem “judeus comunistas” e “pretos criminosos”. Afinal, a sua manifestação foi autorizada e a outra não. Mas não se enganam! Christopher Cantwell e os companheiros não são pacíficos, “mataremos essa gente, se for preciso.”

Já no autocarro, a caminho do local onde ocorrerão os discursos, um outro manifestante de direita afirma, categoricamente, que estão apenas a começar a mostrar o seu poderio, “vocês ainda não viram nada!” Entretanto, já tinha garantido, à laia de ameaça, que brevemente teriam poder suficiente para “eliminar” (das ruas, para sempre) o “lixo anti-branco e anti-americano”.

A violência, as vozes exaltadas, mesmo quando falam entre eles, são evidentes e fazem parte do show. Mas é quando Christopher Cantwell começa a “despir” todo o arsenal que traz colado ao corpo que me arrepio, verdadeiramente.

Estaremos mesmo a caminhar para um novo holocausto? Ou não passa tudo de um mórbido espectáculo de exibição de machos alfa?

Christopher Cantwell entregou-se à polícia. Por algum motivo isso não me deixa mais tranquila.