Christopher Cantwell entregou-se à polícia.
Eu nunca tinha ouvido falar de Christopher Cantwell até
aos dramáticos acontecimentos de Charlottesville. Christopher Cantwell é um
supremacista branco (a expressão causa-me urticária, a mim, que sou tão
branquinha que ouvi todas as piadas parvas possíveis sobre a cor da minha
pele), assume-se como membro do movimento alt-right e liderou a manifestação na
Virgínia. Mas, antes da manifestação, deixou-se acompanhar e entrevistar por
Elle Reeve, correspondente da VICE News Tonight.
Movida de uma curiosidade tão mórbida quanto urgente para
tentar perceber o que move homens como Christopher Cantwell, fui ver a
reportagem.
Fico logo a saber que alguns dos manifestantes viajaram
12 horas de carro para chegar a Charlottesville, pelo que, a causa deve ser
nobre. Não é?
Christopher Cantwell fala com a jornalista sempre num tom
exaltado. Refere-se aos brancos como “companheiros”; aos não brancos refere-se
sempre em tom rude e insultuoso. E perde a (pouca) paciência pelo facto de Elle
Reeve se lembrar do nome de “brancos” que levaram a cabo actos de violência,
mas não ser capaz - ou recusar-se a - nomear qualquer um dos responsáveis pelo
“nine/eleven”. Na sua exaltação começa a referir algum do armamento que
transporta e afirma estar a preparar-se para se tornar ainda mais capaz de
actos de violência. Fala também da expectativa de propagar os seus ideais na
expectativa de encontrar alguém “mais capaz”, alguém como Donal Trump, mas que
não entregue a sua filha a um judeu. Mais racista do que Donald Trump. As
palavras são suas.
A indignação de Christopher Cantwell estende-se à enorme
afronta que representa, para alguém como ele, alguém que tem a mesma opinião
que ele sobre a raça, ver o “bastard” do Kushner “walk around” com aquela
rapariga linda! E eu a pensar que o tipo, para judeu e ligeiramente parvo, até
nem estava nada mal!
As imagens passam para a manifestação. De um lado, os
manifestantes da extrema direita assumida, do outro lado, os
contramanifestantes, que alguns dizem ser de extrema esquerda. Os extremos
nunca auguram nada de bom, mas a diferença entre as palavras de ordem e a
indumentária é evidente. Basta ver as imagens. A violência e o confronto físico
tornam-se inevitáveis. Quando Christopher Cantwell é atingido, aparentemente,
por gás pimenta, alguns companheiros saúdam-no: “Heil Cantwell!”. Acusam “os
outros” de serem “judeus comunistas” e “pretos criminosos”. Afinal, a sua
manifestação foi autorizada e a outra não. Mas não se enganam! Christopher
Cantwell e os companheiros não são pacíficos, “mataremos essa gente, se for
preciso.”
Já no autocarro, a caminho do local onde ocorrerão os
discursos, um outro manifestante de direita afirma, categoricamente, que estão
apenas a começar a mostrar o seu poderio, “vocês ainda não viram nada!”
Entretanto, já tinha garantido, à laia de ameaça, que brevemente teriam poder
suficiente para “eliminar” (das ruas, para sempre) o “lixo anti-branco e
anti-americano”.
A violência, as vozes exaltadas, mesmo quando falam entre
eles, são evidentes e fazem parte do show. Mas é quando Christopher Cantwell
começa a “despir” todo o arsenal que traz colado ao corpo que me arrepio,
verdadeiramente.
Estaremos mesmo a caminhar para um novo holocausto? Ou
não passa tudo de um mórbido espectáculo de exibição de machos alfa?
Christopher Cantwell entregou-se à polícia. Por algum motivo isso não me deixa mais tranquila.