Às vezes, a política diverte-me. De um modo algo
sado-masoquista, mas diverte-me.
Diverte-me ver os aflitivos contorcionismos,
linguísticos, intelectuais e outros (físicos, não, porque isso, para alguns, já
seria arriscar demais) que políticos e comentadores políticos fazem para tentar
dar um ar sério às engenhosas explicações que são obrigados a produzir, para
explicar monumentais fiascos. Sem lhe chamarem fiascos, evidentemente, porque
aí reside a sua arte.
O último poderia dar pelo nome de “Independência
Suspensa”. Da Catalunha, pois claro, que, num majestoso golpe da maior arte
do flop, Carles Puigdemont se viu obrigado a ensaiar até ser capaz
de o disferir com a dignidade que lhe foi possível. Aconteceu ontem, em
directo, com um atraso simbólico da difícil digestão do maior sapo por alguém
engolido, na História recente. A Catalunha será independente! Um dia, quem
sabe, à semelhança do que já ansiavam uns quantos antes do referendo que
produziu a mais estapafúrdia votação e subsequente contagem de votos, numa
democracia europeia. Carles Puigdemont montou uma cilada que se voltou contra
ele próprio. Pelo que é quase hilariante, não fosse o caso grave, ver tantos
procurarem justificações honrosas, hábeis, inteligentes e moderadas no
gesto de um homem que, começou por ser ardiloso e acabou a mostrar que, se a
Catalunha merece, um dia, vir a ser independente, não o merece, seguramente,
pela rédea de Puigdemont.
Os analistas políticos verão isto de outra forma. É a sua
função, e ainda bem. Eu vejo assim: um homem com muita ambição e alguma sede de
protagonismo quis liderar uma batalha para a qual não estava preparado. Apoiado
numa ideia algo poética aliada a uma interpretação bastante enviesada das leis
e dos direitos dos povos, este homem quis impor uma vontade que julgou legítimo
liderar. Eis senão quando um pragmático, e nada romanesco, revés surge-lhe ao
caminho. O capitalismo e a economia gostam de ficção, mas, no cinema, e a
debandada de empresas com sedes na Catalunha começou a fazer tremer os
alicerces de um sonho que, afinal, parecia não caber nas ruas de Barcelona.
Confrontado com o fracasso, não lhe restou outra alternativa que a de fingir
que declarava a “independência”, adiando a dita para momento oportuno, porque
agora parece que não dá muito jeito… Ou, talvez, a última manobra, não
sendo honrosa nem moderada, pode, seguramente,
ser inteligente e hábil no mais puro sentido
espanhol de “tramposo”, porque, convenhamos, Puigdemont está ferido, mas
não está morto. E, morto estivesse, os deputados da CUP encontrariam maneira de
ultrapassar esse problema menor. Afinal, não aplaudiram o discurso, mas
assinaram, ordeiramente, a suposta declaração de independência. É sempre bom
ver alguém lutar, com integridade e carácter, pelos seus ideais, não é?
Chegámos, então, a um novo impasse. Não sei se a
Catalunha tem “direito” a ser independente. A não ser que queiramos alterar
completamente as leis das sociedades em que também queremos viver, essas leis
existem para manter alguma ordem nessas sociedades e para as fazer funcionar eficazmente.
E, comparar o direito à autodeterminação do povo catalão com o direito à
autodeterminação do povo de Timor, por exemplo (como já li), parece-me de uma
absurda falta de senso comum, para não dizer que é quase um insultuoso abuso.
Mas, o diálogo impõe-se sempre como a melhor maneira de
vencer desafios desta ordem, embora se torne difícil dialogar quando cada uma
das partes parece já ter previamente tomadas todas as decisões…
A independência da Catalunha, a ocorrer, merecia mais glamour e, sobretudo, mais seriedade.