quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Independente sim, Independente não...

Às vezes, a política diverte-me. De um modo algo sado-masoquista, mas diverte-me.

Diverte-me ver os aflitivos contorcionismos, linguísticos, intelectuais e outros (físicos, não, porque isso, para alguns, já seria arriscar demais) que políticos e comentadores políticos fazem para tentar dar um ar sério às engenhosas explicações que são obrigados a produzir, para explicar monumentais fiascos. Sem lhe chamarem fiascos, evidentemente, porque aí reside a sua arte.

O último poderia dar pelo nome de “Independência Suspensa”. Da Catalunha, pois claro, que, num majestoso golpe da maior arte do flop, Carles Puigdemont se viu obrigado a ensaiar até ser capaz de o disferir com a dignidade que lhe foi possível. Aconteceu ontem, em directo, com um atraso simbólico da difícil digestão do maior sapo por alguém engolido, na História recente. A Catalunha será independente! Um dia, quem sabe, à semelhança do que já ansiavam uns quantos antes do referendo que produziu a mais estapafúrdia votação e subsequente contagem de votos, numa democracia europeia. Carles Puigdemont montou uma cilada que se voltou contra ele próprio. Pelo que é quase hilariante, não fosse o caso grave, ver tantos procurarem justificações honrosashábeisinteligentes e moderadas no gesto de um homem que, começou por ser ardiloso e acabou a mostrar que, se a Catalunha merece, um dia, vir a ser independente, não o merece, seguramente, pela rédea de Puigdemont.

Os analistas políticos verão isto de outra forma. É a sua função, e ainda bem. Eu vejo assim: um homem com muita ambição e alguma sede de protagonismo quis liderar uma batalha para a qual não estava preparado. Apoiado numa ideia algo poética aliada a uma interpretação bastante enviesada das leis e dos direitos dos povos, este homem quis impor uma vontade que julgou legítimo liderar. Eis senão quando um pragmático, e nada romanesco, revés surge-lhe ao caminho. O capitalismo e a economia gostam de ficção, mas, no cinema, e a debandada de empresas com sedes na Catalunha começou a fazer tremer os alicerces de um sonho que, afinal, parecia não caber nas ruas de Barcelona. Confrontado com o fracasso, não lhe restou outra alternativa que a de fingir que declarava a “independência”, adiando a dita para momento oportuno, porque agora parece que não dá muito jeito… Ou, talvez, a última manobra, não sendo honrosa nem moderada, pode, seguramente, ser inteligente e hábil no mais puro sentido espanhol de “tramposo”, porque, convenhamos, Puigdemont está ferido, mas não está morto. E, morto estivesse, os deputados da CUP encontrariam maneira de ultrapassar esse problema menor. Afinal, não aplaudiram o discurso, mas assinaram, ordeiramente, a suposta declaração de independência. É sempre bom ver alguém lutar, com integridade e carácter, pelos seus ideais, não é?

Chegámos, então, a um novo impasse. Não sei se a Catalunha tem “direito” a ser independente. A não ser que queiramos alterar completamente as leis das sociedades em que também queremos viver, essas leis existem para manter alguma ordem nessas sociedades e para as fazer funcionar eficazmente. E, comparar o direito à autodeterminação do povo catalão com o direito à autodeterminação do povo de Timor, por exemplo (como já li), parece-me de uma absurda falta de senso comum, para não dizer que é quase um insultuoso abuso.

Mas, o diálogo impõe-se sempre como a melhor maneira de vencer desafios desta ordem, embora se torne difícil dialogar quando cada uma das partes parece já ter previamente tomadas todas as decisões…

A independência da Catalunha, a ocorrer, merecia mais glamour e, sobretudo, mais seriedade.