Normalizados que parecem estar todos os
comportamentos que a civilidade nos habituou a considerar abjectos, haveremos
de passar à actualização das gramáticas, com a mesma agilidade moderna e
elevada com que já nos mandaram reescrever a História.
Os novos homens fortes da política, os machos
alfa salvadores da pátria, os que falam, curto e grosso, a língua do povo, são,
actualmente, os únicos detentores da verdade. Se eles afirmam, é exacto. Se
proclamam, é lei. Se exaltam, é culto. Todos os outros mentem. Costumava
dizer-se que contra factos não há argumentos, mas, até os factos se tornaram
alternativos ou descartáveis. Bolsonaro não tem nada de eticamente reprovável, como
as demissões irrevogáveis não têm nada de irremediável. Haja vontade e gente
para acreditar. Tal como uma mentira repetida muitas vezes arrisca converter-se
em verdade absoluta, inquestionável, qualquer verdade renegada pela voz dos
escolhidos esfumar-se-á das memórias dos cordeiros imberbes e adormecidos.
Propaga-se a verdade e a liberdade – da de
expressão à da imprensa – para, logo a seguir, ameaçar e amordaçar quem se
atreve a duvidar e a discordar. Faz-se companha sobre os mortos – sumariamente
eliminados pelo ódio – sem remorso e sem pudor, porque o espectáculo must go on e alterações
de planos são uma maçada desnecessária porque incoerente.
O povo anseia por sangue
e força bruta. Cansou-se de esperar pela justiça, quer tomá-la nas mãos,
domá-la e aplicá-la. Implacavelmente, sem hesitações e sem culpa. Apoiada na
inocência, asseguram-nos, da retórica primária, inflamada e apaixonada, a turba
caminha segura e decidida, mas, pouco formosa, pois não há réstia de graça na
barbárie.
Na
cegueira da razão e da verdade de cada um, acabaremos miseravelmente sós,
empunhando armas contra os fantasmas que criámos com a ajuda de heróis
cobardes, sem capa e sem escrúpulos, mas orgulhosamente prenhos de ódios e
escárnios. Infelizmente, não estão sós.