sábado, 26 de janeiro de 2019

A Caixa que os Pariu

Quem não tem cão caça com gato. E quem vive num país pequeno arranja uma caixinha jeitosa, com dinheiro a rodos para distribuir entre os amigos e os amigos dos amigos, comendadores, amigos dos comendadores, gestores competentíssimos traídos por fracas e selectivas memórias, advogados de grandes sociedades que se servem, avidamente, das leis que criam com o único e pérfido propósito de confundir, uma manta esburacada, intencionalmente rota e mutilada para posterior usufruto de agulhas próprias, onde remendos e restauros se hão-de pagar a preço de ouro, deixando a nação subjugada, de joelhos, a alguns donos daquilo tudo.

A caixa, no entanto, não é para todos. Ou, pelo menos, não da mesma maneira. Uns têm dívidas, outros imparidades. Uns devem possuir mais do que aquilo que pedem à banca, outros possuem a arte de extorquir milhões para financiar empreitadas de reconhecido luxo das quais sugarão o tão cobiçado lucro, se o houver, declinando, com arrogância e nojo, os prejuízos, essa peçonha viscosa e de menor casta, a distribuir pelos contribuintes, alguns, os mais incautos, alheios ao mundo da alta finança, do esbulho chique e sobranceiro, onde a reconhecida competência mais não é do que um embuste, porque levada ao colo, sem esforço próprio, a saque, colada a grupos de autênticos mafiosos, a coberto de um sabujo sistema de interesses articulados para que nunca alguém com poder vá parar à cadeia, como tão bem disse um conhecido advogado num também conhecido programa de televisão, não vai assim muito tempo. Deve ser por isso que alguns se dizem injustiçados, pobres coitados, vítimas de cabalas, perseguições e chantagens mesquinhas. Afinal, fiaram-se na teia que os ampararia a todos; na aranha que a urdia com astúcia e paciência. Mas, às vezes, o abuso torna-se abjecto, pelo que, urge disfarçar o descaramento e é aí que rolam as cabeças de pífios peões iludidos, os que apenas comiam das migalhas, sem engenho ou audácia para chegar ao topo, todos engordam do pote, mas, a alguns, apenas está permitido raspar as bordas e lamber os dedos.

Aos poderosos não se diz não. Faz-se o que for preciso. E assim se permitiu que a Caixa-Geral de Depósitos, um banco do Estado, servisse, antes, de banco privado, uma fonte de recursos que parecia inesgotável para um grupo de privilegiados, entre os que dela se serviam à vontade e sem-vergonha e os que tinham o dever de regular sem nada ver até ser impossível continuar a olhar para o lado.

O relatório da auditoria à CGD, de que se tem falado nos últimos dias, devia encher horas e horas de programas de televisão, de análise, em análise, em análise, como sabemos fazer tão bem com as importantíssimas questões do futebol, onde cada falta, cada toque, cada erro de arbitragem, cada espirro inconsequente, dá para sessões intermináveis, de debate e discussão, de repetição em repetição, ad nauseam, como se não houvesse nada de mais interesse para o país. Que miseráveis somos!

Entretanto, há 17 gestores referidos na auditoria à CGD que continuam ligados à banca. São gestores de topo, competentíssimos portanto, presume-se, que foram responsáveis por decisões de concessão de créditos que originaram perdas, para a CGD, de perto de três mil milhões de euros. Nada que os contribuintes portugueses não possam pagar. Afinal, como se sabe, vivemos acima das nossas possibilidades há muitíssimo tempo.

 

O jornal Expresso dá conta de que foi a CGD que denunciou José Sócrates à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária em Abril de 2013. A denúncia refere a existência de um possível esquema de transferências de dinheiro desse grande e abnegado amigo, Carlos Santos Silva, para José Sócrates, por intermédio de uma conta da mãe deste; uma “conta de passagem”. Vale a pena ler. E é só mais um pormenor.

Na verdade, vale a pena ler tudo o que se refere a este caso, ao verdadeiro assalto à CGD, que já nos obrigou - a todos os que pagamos impostos à custa do nosso trabalho - a injectar, como se diz, milhões e milhões de euros para evitar a ruína. Se não se souber por onde começar, "Quem Meteu a Mão na Caixa", de Helan Garrido é um bom princípio.