De polémica em polémica, até que a voz nos doa, ou o
teclado derreta. Já nem há novas polémicas, pois que se sucedem
abruptamente, definhando sem florir plenamente, atropelando-se, sôfregas,
entupindo qualquer espaço de debate, esbofeteando qualquer audácia, um grito a
seguir ao outro, já esqueci porque gritei primeiro. Em primeiro.
Agora, homens de barba rija ameaçam boicotar a Gillette.
Não parece muito eficaz, eu sei. O trocadilho desastrado. Se têm barba rija,
provavelmente, usam pouco ou nada a gillette, pelo que, vivem em boicote
permanente no que a barbeados diz respeito. De modo que, restam os que se
preocupam em não ter pêlo na venta, pelo menos, desse tipo, e, ainda assim,
querem continuar a ser homens. Ou rapazes. Deixem os homens serem homens e os
rapazes serem rapazes.
Afinal, o que tem de tão ofensivo o recente anúncio da
Gillette que incendiou, outra vez, as redes sociais? Muito homens
viram-no como um ataque à sua masculinidade. Sentem-se ofendidos,
indignados por muitos motivos, um deles, o facto de o anúncio ter sido
realizado por uma mulher. “Let boys be damn boys. Let men be damn
men”.
O que é ser damn boy, ou damn men? O
anúncio chama a atenção para comportamentos abusivos, que não fazem,
exactamente, de um rapaz um rapaz, ou de um homem um homem.
Há quem discorde. Quem diga que a agressividade
faz parte do pacote (eu sei, mas, tal com há pouco, não me apetece alterar). Na
verdade, “os homens são o sexo selvagem, o que explica a sua perigosidade, mas
também seu dinamismo”. Mais ainda, “You can’t have
male inventiveness, innovation, civilization-building, and lifesaving without
the explosive masculine energy that is their impetus”,
ou seja, as sociedades só poderão evoluir e prosperar se pudermos contar com a explosiva
energia masculina, a chave que é o motor eficaz e insubstituível do
progresso.
Sou daquelas mulheres que não se acha igual a homem,
graças a Deus se for dele a culpa. Há outros que acham o mesmo. A igualdade de
oportunidades é uma coisa completamente diferente e acho que é dessa igualdade
que devemos tratar. E, dessa, não abdicar, sob nenhum pretexto, por mais
descarado, ou por mais ardiloso.
Não me sinto violentamente ultrajada quando um homem me
cede a passagem ao entrar no elevador, ou se se oferece para me ajudar a mudar
um pneu, coisa que até sei fazer com bastante competência (obrigada ao meu pai,
que sempre percebeu bastante das diferenças que verdadeiramente importam),
desde que consiga desapertar o raio dos parafusos. Já o meu marido, do mais
macho que há, com aquela habilidade desconcertante, e irritante, de se orientar
até debaixo de terra, detesta que eu o interrompa no meio de uma tarefa,
porque, como é sabido, no que toca a multitasking, o sexo também conta.
E tantas, mas tantas, outras diferenças em que nos perdemos e nos encontramos,
machos ou fêmeas, homens ou mulheres, ganhando mais do que perdemos se não nos
deixarmos aprisionar por toxicidades e extremismos acéfalos que nos
diminuem e nos afastam, mais do que o tão almejado, e necessário!, contrário.
Seja como for, a agressividade masculina não tem
que resvalar para o abuso, ou para a violência física e, pessoalmente, não vejo
no anúncio mais do que o repúdio por isto mesmo. Outros viram para além disso e
é, aqui sim, parece-me, um exemplo daquilo a que se chama liberdade de
expressão. Se ao menos pudéssemos usá-la sem nos insultarmos a cada clique...