segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Dos Santos


e dos muitos pecadores.

Finalmente, a bomba explodiu. Depois de várias acusações de Ana Gomes (e não só, mas poucos...), com a subtileza que (felizmente) não se lhe conhece, Isabel dos Santos passou da boca daquela para as bocas do mundo – que é como quem diz – para as primeiras páginas de tudo quanto é jornais de referência, por suspeita de fazer fortuna, imensa, subtraindo montantes obscenos ao erário público angolano (principalmente). E como sempre faz quem tem muitos telhados de vidro, de cristal puro em condóminos de luxo e torres no Dubai, sem esforço maior de trabalho ou talento que não seja o de nascer bem, no seio de famílias do poder absoluto, a defesa da empresária passa por acusar os seus acusadores de “perseguição política”, “racismo” e “colonialismo”. Como não? 
A mulher que é filha de um homem cujo governo em causa própria mandou prender angolanos pelo grave delito de ler livros atentatórios do bom regime de Angola, à época, que usou e abusou da hipocrisia e bajulação, no mínimo, da fina flor da elite portuguesa e não só, que construiu uma reputação de empresária brilhante, espalhando o seu poder e influência por várias empresas em Portugal, vem agora dizer-se vítima da mesma condição que cavalgou astutamente para se promover e montar fortuna sobre o espólio de um país subjugado à ditadura que a elevou em braços ao estatuto de “princesa” multimilionária, “a mulher mais rica de África”.

Os documentos que estão sob investigação são, por isso, falsos, segundo Isabel dos Santos. Todas as movimentações de dinheiro, incluindo os tais 115 milhões de dólares em consultoria que a Sonangol transferiu para a conta bancária de uma convenientíssima companhia offshore – daquelas com um funcionário ou menos, a que não se reconhece outra actividade que não seja a de servir de canal entre transferências avultadas de dinheiros de reputação claríssima, como se sabe, no intuito, apenas e só e devidamente enquadrado na lei feita à medida dos que dela gozam, de minimizar a dor que é pagar um ror de impostos maçadores (enfim, uma daquelas empresas exemplarmente retratadas no filme da Netflix, The Laundromat, A Lavandaria, cuja exibição os advogados de Jurgen Mossack e Ramon Fonseca pretendiam impedir) – e com a qual Isabel dos Santos não tem qualquer relação, obviamente, dizem respeito, dizia, a contratos negociais imaculados. Só por má fé racista e colonialista se pode pensar o contrário. Apesar de os documentos mostrarem que a Matter Business Solutions tinha como principal gestor de negócios e como directora duaspessoas próximas da empresária que a representam em importantes empresas de que é accionista em Portugal”. Está quase tudo aqui, aqui, aquiaqui, aqui, aqui, e não só; é só ler, interpretar, interrogar, duvidar, unir pontos…pensar. Sobretudo, desconfiar por que motivo quem nunca tem nada a esconder, se preocupa mais em exaltar os fantasmas das perseguições pessoais e/ou políticas, em vez de mostrar, na justiça, provas de que, efectivamente, a sua fortuna nasceu com seu carácter, a sua inteligência, educação, capacidade de trabalho e perseverança, como Isabel dos Santos referiu nos inúmeros tuites que tem dedicado à sua “defesa”.

Um africano vale tanto como um europeu, e vice-versa, ao contrário do que a reputadíssima empresária vai carpindo nas redes sociais. Os que a bajularam e foram cúmplices com o seu império à custa da espoliação dos mais pobres, por exemplo, são almas-gêmeas, idênticos em tudo, decalcados a papel químico.


Honra seja feita a Ana Gomes que nunca se deixou intimidar nas suas denúncias, ao contrário de outros que fingem ter acordado agora para o monstro que a bela alimentou com avidez miserável, à custa também desses que, não só sabiam de tudo, como se foram saciando no mesmo banquete. 

E, sim, Isabel dos Santos é inocente até a tal prova em contrário. Aquela que tarda sempre em chegar, a não ser aos mais incautos, a quem os densos labirintos da lei não se aplicam, antes, abrem-se como botões de rosa. Havíamos de encontrar uma figura jurídica com carácter intermédio para que, tendo em conta os tempos da justiça, pelo menos em Portugal, não fôssemos todos obrigados a fingirmo-nos de parvos a bem da inocência.