J.K. Rowling escreveu um tuite onde
confessa jamais ter pousado os pés, os olhos que fosse, e não foi, na famosa e
fabulosa livraria Lello, no Porto, onde viveu durante, ainda não percebi se dois se dez anos; é irrelevante para o mito que se estraçalha. E, depois de espetar a faca, à traição,
torceu-a com deleite, maquiavelicamente, afirmando que esse espaço, com que se
maravilha quem lá entra pela primeira e por todas as outras vezes, “não tem
nada a ver com Hogwarts”. Diz-se que os fãs, desenganados, lambem as feridas,
aturdidos com a má nova. Há, inclusive, quem, em agravado e pesaroso negrume, confesse
ter visitado o Porto com o propósito único, mágico, de peregrinar naquela, até ao
golpe de imisericórdia, exuberante e mítica livraria e, agora, coitados!, vêem-se rasgados
do laço que os unia ao imaginário de galgar escadas irrequietas,
rangendo à vontade de treliças endiabradas, embalando degraus de encantamento maciço varrido, num
ápice, que é como quem diz, num tuite, a frio, para debaixo dos tapetes que também não existem, como
convém num mundo de faz-de-conta, mas isso já se sabia.
Não sei o que me atormenta mais. Se o
desgosto de saber que Harry Potter nada deve à livraria da minha juventude, ali
mesmo ao lado da velhinha Faculdade de Ciências (já não) onde passei tantas horas de
júbilo e outras de dor, se o facto de perceber que alguém pôde viver no Porto,
ser casada com um local, aí gerar e parir uma filha, e nunca ter entrado na Lello & Irmão. Por acaso até
sei. Do tormento maior, digo. Ainda assim, não se explica tal injúria.
A Joanne Rowling não fará falta o tempo
que não passou na magnífica livraria. Afinal, sempre chegou a escrever no
Majestic (tomai lá uma aspirina, seres incautos, e comei, ou bebei, ou o que a vossa fantasia ditar) e imaginou, até, um ambicioso e maquiavélico Salazar Slytherin, encantador
de serpentes, ou lá o que é. E a Lello & Irmão permanecerá, igualmente, esplendorosa,
sem necessidade de artifícios nem encantamentos outros que não os que já a
elevavam à categoria de uma das mais belas livrarias do mundo. Sabemo-lo todos,
as gentes do Porto, ainda Potter não era Potter, nem precisava, ao contrário de Rowling que não era Rowling e fazia-lhe falta. Talvez eu possa
voltar a visitá-la, agora, à livraria única, sem filas de aspirantes a feiticeiros despojados da
arte de pasmar com a realidade que se desnuda diante dos seus olhos, em lhes
faltando a epístola e varinhas de condão. Como os eterna e permanentemente
insatisfeitos, incapazes de admirar a bela amante que se lhes oferece, real e sem
subterfúgios, porque se lhes tomou a mente de delírios imaginários e
imaginados. Há enguiços que não se quebram, e bruxos que não aprendem.
E, só para que conste, mantenho as minhas
dúvidas sobre se a origem das escadas de Hogwarts se fica a dever
exclusivamente à imaginação de Joanne...