sexta-feira, 3 de julho de 2020

Nacionalizadores

A última semana e meia (as duas últimas semanas, na verdade, mas, atendendo a que comecei a escrever este texto há três dias e só hoje consegui terminar, deixo a introdução como está) devorou-me. Perdi, por várias vezes, o fio condutor, um fio condutor que fosse, capaz de atar os acontecimentos em enxurrada. Ouvi conjurar resmungos contra o pesadume espesso dos dias que se fizeram meses truncados dessa normalidade que urge consumar, sabendo-a para sempre espatifada sem remédio nem remendo. 

Convenci-me de que, entre tantas proibições impostas, os optimistas compulsivos – sem cargos políticos, entenda-se – deviam ser, também eles, sobretudo eles, proibidos de proferir desabafos sentidos e cinzentos. Para isso, já nos bastam todos os outros. E entre tantos cacos para juntar e colar, a TAP aterrou com estrondo na actualidade breve, muito breve, das notícias e artigos de opinião. Precisamos ou não precisamos de uma companhia aérea de bandeira? Vai ou não vai a TAP transformar-se num Novo Banco com os mesmos velhos vícios, em que o Estado português – nas pessoas dos seus supostos representantes – parece sempre mais capaz de acautelar interesses privados do que próprios? Pergunto-me, aliás, para que precisamos, afinal, de tanta competência humana, política, técnica e outro tanto de predicados previsíveis e gastos se quando chega a hora de resolver contratos brotam cláusulas e acordos e adendas que servem para tudo menos para prevenir o assalto aos nossos impostos, o esbulho consentido do Estado? O gozo que deve ser fazer negócios com a chancela desta pátria prenhe de gente valente, os melhores!, que se alevanta sempre a favor do interesse público, principalmente, se concubinado com as partes privadas da coisa, do negócio, com a benção da lei e a sagacidade dos que com ela privam, como se sabe. Quem sabe. E quem sabe não precisa de negócios de China, para quê, quando tão bem se avia do lado de cá do meridiano, neste cantinho à beira-mar plantado, à mercê de todos os desmandos, de todas as birras, de todas as incompetências, sem que nunca seja possível apontar um culpado e exigir compensação de danos, ao contrário da atribuição de prémios de desempenho que nunca morrem solteiros, encontram sempre um parceiro bem-parecido, à altura. 

Entre aqueles que defendem a necessidade de preservarmos a nossa companhia aérea, aponta-se o seu valor estratégico para fortalecer o plano de recuperação da economia do país, uma espécie de suporte de vida que mantenha o milagre turístico e o fluxo de exportações, os dois principais vectores que hão-de tirar Portugal do estado de coma. Partindo do princípio de que existe um plano, claro, e não apenas um processo de intenções sobre o que deseja ver acontecer aquilo a que ainda vamos chamando “governo”, com  uma nova ajuda, eventualmente, da Nossa Senhora de Fátima, a mesma que já nos terá livrado da troika num 13 de Maio passado, mas sem confinamento. 

Não faço a menor ideia sobre se o valor estratégico da TAP compensa os milhões que a companhia nos vai continuar a custar - nacionalizada, ou com injecções de capital a cada período de asfixia financeira - mas convinha ponderar a possibilidade de não voltarmos a ter o turismo de antes. Nem as viagens para reuniões de negócios que aprendemos a fazer tão bem virtualmente, worldwide sem sair da sala, trocando o check in pelo refresh de uma outra plataforma, sem filas, nem escalas, nem trânsito.

Entretanto, pelo atraso a que me votei sem culpa, fiquei a saber que o Estado também nacionalizou a Efacec, ou a participação de Isabel dos Santos na Efacec, não há-de ser bem a mesma coisa, sempre a bem do interesse público; o Reino Unido, como se previa e temia, privou, de momento, os ingleses do seu recreio de férias favorito e o Algarve de uma fonte considerável de receitas, e a Azul vendeu-nos 6% da TAP por 10 milhões de euros, ainda não percebi (porque ainda só li o título) se para lá dos 55 milhões que já pagámos ou vamos pagar ao senhor Neeleman. 

Ah!, não houvesse tanto interesse público e Portugal seria um país rico. E ainda vamos ver um aeroporto no Montijo.