sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Indiferente à gaivota que estacou diante dela, a rapariga do bikini laranja vai debitando caracteres, ao telemóvel, apressadamente, as unhas longas e pontiagudas, tão pontiagudas que vejo como vão perfurando o ar e assim o esvaziando, ao ritmo do menear dos dedos, com a precisão de uma dactilógrafa no tempo em que havia dactilógrafas.

A gaivota parece fixar-lhe o braço onde alguém tatuou uma sequência disforme de traços densos e curvos, uma extensa língua de cornucópias animalescas, monocromáticas até onde a vista alcança, desde o pulso largo até à base do pescoço. Há tatuagens magníficas; mas não aquela. 

Não sei se da forma do braço, da luz encorpada da manhã, ou do compasso frenético do texting, mas, por momentos, o padrão endiabrado pareceu mover-se por vontade própria e arrastar-se lentamente, como um réptil. Também não sei se terá sido isso a alarmar a gaivota, mas, subitamente, soltou um grito estridente e largou em debandada. Pelo modo precipitado e caótico como partiu, não porque estivesse acompanhada. Já a rapariga continuou sem levantar a cabeça do telemóvel, alheia ao assombro de ambas.