O meu filho revira
os olhos quando lhe pergunto, pela enésima vez, afinal, de que falaram
vocês e como, nas aulas de Cidadania?
Sou uma daquelas
mães horríveis que não sabem, sequer, a data dos testes dos miúdos. Do miúdo;
só tenho um. O trabalho dos primeiríssimos anos de escola deu os frutos que
plantámos com teimosia a preceito: responsabilidade e autonomia; de momento,
ambas nas doses certas. Tanto que, pouco familiarizada que estava e estou – que
estamos, o pai e eu – com os conteúdos dessa disciplina maldita, nem sequer
sabia bem se tinham feito mais do que usar essas aulas para repor matérias de
outras disciplinas. Sim, não raramente – isso, ainda vou sabendo –, as aulas
dessa disciplina onde se ensaia o proselitismo e a doutrinação das
nossas crianças indefesas, a mando de um Estado com tiques inquisitórios e mais
um ror de desgraçadas anunciadas e abaixo-assinadas, são ocupadas por conteúdos
de outras disciplinas. À partida, um sacrilégio menor.
Eu sei. Exagero na
troça. Acho saudável, útil, avisado, fundamental, que haja quem se bata contra
qualquer tentativa de doutrinação e/ou amordaçamento da sociedade. Mas tenho
muito dificuldade em ver o monstro que os “objectores de consciência” e seus
co-signatários descobriram nas áreas-temáticas da dita disciplina. Não sei se
alguém se lembra das crianças. Não podem ser doutrinadas pela
escola, mas podem ser doutrinadas pelos pais, será isso,
supondo que isso seja melhor. E, à escola, cabe apenas o ensinamento asséptico,
do que seja nada menos do que exacto, e sem margem para a dúvida, o debate, a
formação do indivíduo fora dos tubos de ensaio, digo eu, logo eu, que sou uma
dessas, das ciências às claras, de erros previstos, estimados e corrigidos,
quando não eliminados. É isto? Depois dizem que os miúdos não sabem pensar.
Também o digo, às vezes; mais quando não querem do que quando não sabem,
propriamente.
Como é evidente, a
causa da polémica não é a disciplina; antes, o que se
possa esconder atrás de duas das tais áreas-temáticas:
“educação para a igualdade de género” e “educação para a saúde e para a
sexualidade”, e partindo do princípio de que a esmagadora maioria dos
professores que a leccionam (normalmente, os directores de turma) estão
escrupulosamente empenhados em promover uma lavagem cerebral ditada pela nova
ordem social e ideológica, seja lá o que isso for, desde que pareça
suficientemente mau. Parece absurdo, mas nunca fiando.
Ainda assim – e isto
eu entendo – há uma diferença enorme entre falar de direitos e deveres iguais
independentemente do género e ensinar esse “género” apenas como uma
"construção social", por princípio, totalmente avessa (no mínimo,
alheia) ao sexo biológico, só para passar ao de leve pelo primeiro
desassossego. Que o género e o sexo andem de
costas tão voltadas à nascença, para a esmagadora maioria da população. E acho
absurda a insistência-porque-sim em que somos nós, exclusivamente,
como sociedade, que determinamos o que é feminino e masculino,
ou nenhum dos dois; como acho absurda a ideia de que o combate mais eficaz
contra a discriminação e o abuso se atinge pela promoção à bruta e por decreto
de uma teoria assente na convicção, obtusa, de que ninguém nasce com o género
que lhe calhou em sorte, que é como quem diz, em sexo, e é tudo uma questão de
opções pessoais. Obviamente, não me refiro aos direitos e ao respeito devidos a
essas opções, e suponho que "o direito a" e "o respeito
por" se ensine nessas aulas de cidadania. E respeitar não significa
concordar. Nem sequer entender.
Coisa diferente é o
perigo que a cidadania possa representar para os pais que
consideram que, sim, as meninas até podem vestir azul desde que casem
bem e não se importem de ganhar menos do que o marido a quem cabe, por
dever e direito, o ónus de ser a parte bem sucedida profissionalmente do matrimónio;
que os meninos podem vestir rosa mas menos e desde que sempre respeitando as
dinâmicas sociais do não se pode ter tudo e, em podendo, que
seja o menino; para esses, dizia, há igualdades que convém manter afastadas das
doutrinas escolares destes tempos de perdição.
De resto, ainda não
sei bem se o manifesto contra a obrigatoriedade da disciplina de Educação para
a Cidadania e o Desenvolvimento e a "objecção de consciência" dos
pais de Famalicão são uma questão de princípio ou apenas uma birra. Um
momento do género
ainda-vamos-mas-é-todos-passar-a-ser-racistas-com-tanta-manifestação-anti-racista,
ou lá o que era.
Mas, isto sou só eu
a falar com os meus botões, como habitualmente. Já o meu filho falou de
"violência no namoro" e "interculturalidade". Lá nas aulas de
cidadania. Não dei por nenhum trauma, para nenhuma das partes.