domingo, 6 de setembro de 2020

Cidadania e coiso, que já muito se disse sobre o assunto

O meu filho revira os olhos quando lhe pergunto, pela enésima vez, afinal, de que falaram vocês e como, nas aulas de Cidadania

Sou uma daquelas mães horríveis que não sabem, sequer, a data dos testes dos miúdos. Do miúdo; só tenho um. O trabalho dos primeiríssimos anos de escola deu os frutos que plantámos com teimosia a preceito: responsabilidade e autonomia; de momento, ambas nas doses certas. Tanto que, pouco familiarizada que estava e estou – que estamos, o pai e eu – com os conteúdos dessa disciplina maldita, nem sequer sabia bem se tinham feito mais do que usar essas aulas para repor matérias de outras disciplinas. Sim, não raramente – isso, ainda vou sabendo –, as aulas dessa disciplina onde se ensaia o proselitismo e a doutrinação das nossas crianças indefesas, a mando de um Estado com tiques inquisitórios e mais um ror de desgraçadas anunciadas e abaixo-assinadas, são ocupadas por conteúdos de outras disciplinas. À partida, um sacrilégio menor.

Eu sei. Exagero na troça. Acho saudável, útil, avisado, fundamental, que haja quem se bata contra qualquer tentativa de doutrinação e/ou amordaçamento da sociedade. Mas tenho muito dificuldade em ver o monstro que os “objectores de consciência” e seus co-signatários descobriram nas áreas-temáticas da dita disciplina. Não sei se alguém se lembra das crianças. Não podem ser doutrinadas pela escola, mas podem ser doutrinadas pelos pais, será isso, supondo que isso seja melhor. E, à escola, cabe apenas o ensinamento asséptico, do que seja nada menos do que exacto, e sem margem para a dúvida, o debate, a formação do indivíduo fora dos tubos de ensaio, digo eu, logo eu, que sou uma dessas, das ciências às claras, de erros previstos, estimados e corrigidos, quando não eliminados. É isto? Depois dizem que os miúdos não sabem pensar. Também o digo, às vezes; mais quando não querem do que quando não sabem, propriamente.

Como é evidente, a causa da polémica não é a disciplina; antes, o que se possa esconder atrás de duas das tais áreas-temáticas: “educação para a igualdade de género” e “educação para a saúde e para a sexualidade”, e partindo do princípio de que a esmagadora maioria dos professores que a leccionam (normalmente, os directores de turma) estão escrupulosamente empenhados em promover uma lavagem cerebral ditada pela nova ordem social e ideológica, seja lá o que isso for, desde que pareça suficientemente mau. Parece absurdo, mas nunca fiando.

Ainda assim – e isto eu entendo – há uma diferença enorme entre falar de direitos e deveres iguais independentemente do género e ensinar esse “género” apenas como uma "construção social", por princípio, totalmente avessa (no mínimo, alheia) ao sexo biológico, só para passar ao de leve pelo primeiro desassossego. Que o género e o sexo andem de costas tão voltadas à nascença, para a esmagadora maioria da população. E acho absurda a insistência-porque-sim em que somos nós, exclusivamente, como sociedade, que determinamos o que é feminino e masculino, ou nenhum dos dois; como acho absurda a ideia de que o combate mais eficaz contra a discriminação e o abuso se atinge pela promoção à bruta e por decreto de uma teoria assente na convicção, obtusa, de que ninguém nasce com o género que lhe calhou em sorte, que é como quem diz, em sexo, e é tudo uma questão de opções pessoais. Obviamente, não me refiro aos direitos e ao respeito devidos a essas opções, e suponho que "o direito a" e "o respeito por" se ensine nessas aulas de cidadania. E respeitar não significa concordar. Nem sequer entender.

Coisa diferente é o perigo que a cidadania possa representar para os pais que consideram que, sim, as meninas até podem vestir azul desde que casem bem e não se importem de ganhar menos do que o marido a quem cabe, por dever e direito, o ónus de ser a parte bem sucedida profissionalmente do matrimónio; que os meninos podem vestir rosa mas menos e desde que sempre respeitando as dinâmicas sociais do não se pode ter tudo e, em podendo, que seja o menino; para esses, dizia, há igualdades que convém manter afastadas das doutrinas escolares destes tempos de perdição.

De resto, ainda não sei bem se o manifesto contra a obrigatoriedade da disciplina de Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento e a "objecção de consciência" dos pais de Famalicão são uma questão de princípio ou apenas uma birra. Um momento do género ainda-vamos-mas-é-todos-passar-a-ser-racistas-com-tanta-manifestação-anti-racista, ou lá o que era. 

Mas, isto sou só eu a falar com os meus botões, como habitualmente. Já o meu filho falou de "violência no namoro" e "interculturalidade". Lá nas aulas de cidadania. Não dei por nenhum trauma, para nenhuma das partes.