Já comecei e apaguei não sei quantas
vezes este texto. À data de hoje, não fica muito por dizer, mas sinto-me
bastante enojada com tudo isto.
Ainda que Luís Filipe Vieira parecesse o
mais impoluto dos portugueses em geral e dos presidentes e candidatos a presidente de
um clube de futebol “dos grandes” em particular, mandava o mínimo de bom senso –
deixando a decência de parte, que isso, já se sabe, está para lá de démodé
– que, pelo menos, o primeiro-ministro de Portugal não chafurdasse na lama, menos
ainda, com prazer. Mas, como todos sabemos – até porque já nos dito de várias
formas diferentes – uma coisa é uma coisa, outra coisa são os clubes de
futebol. E o futebol é aquele desporto onde tudo é permitido, não é?, o insulto
higiénico, os meandros dos negócios para lá de bilionários, obscenos, e a
complacência com os pecadilhos dos homens da bola, os mesmos pecadilhos que não
se perdoa a mais ninguém.
Já tínhamos assistido ao caso Rui Moreira
e FCP, que fez correr tinta assim-assim. Mas, sim, no caso de António Costa, a “falta
de recato” é maior. É colossal. É daqueles actos dignos de países sabujos, onde
abunda a promiscuidade e a corrupção entre todos os poderes instalados. E é,
também, por isso que a culpa não é de António Costa; é de todos nós. Um país
inteiro que se habituou a encolher os ombros, sem pedir responsabilidades, complacente
com todas as formas de prostituição entre políticos-advogados-banca-futebol (é possível que me tenha escapado algum hífen): "são todos iguais", sem permitir a ninguém ser diferente. É o sistema. Menos mal,
que temos o André Ventura para nos dizer que o futebol não se mistura com
política. O resto, é tudo uma campanha para denegrir a imagem de uns quantos,
os de sempre, porque, já se sabe, somos um país de invejosos e a Ana Gomes é
uma populista histérica: se fossemos a acreditar em tudo o que diz, “teríamos de supor que todos os políticos, todos os advogados, todos os presidentes de clubes, todos os gestores e todos os empresários são trapaceiros”. E, no geral,
não são, não é?, são só azares, coincidências do diabo, offshores fofinhas e
coisas que tal.
Criam-se leis, decretos, despachos e um
sem número de etceteras para prevenir – ou fingir que se pretende – todas
as formas de abuso, e vemos tudo isso ruir ao mínimo aborrecimento. A lei não permite que um juiz desembargador jubilado acumule o que recebe no gozo desse estatuto com outra qualquer actividade remunerada, pública ou privada? Se o
juiz entender que há casos em que pode, pode. É preciso pedir uma autorização para
tais casos ao Conselho Superior da Magistratura? Pois, parece que sim. E se não
se pedir, qual é o castigo? Qual castigo, então não se sabe que se há
coisa que as nossas elites todas sabem fazer muito bem é separar coisas, nomeadamente, o pessoal
e o privado, compatível do incompatível, o certo do errado e, por maioria de
razão, o futebol e a política?
Há tanta coisa mais para acrescentar aqui, exemplos gritantes de como são poucos os que que têm noção de dever e serviço público, que encheria páginas e páginas de links e notícias indecentes. Transversais a todos os governos desde há décadas. É esta a nossa miséria. Ladra-se alternadamente, consoante mudam as cadeiras. Os que se sentem arrogantemente impunes, sentem-no porque, de facto, o são. Sobraria a honra. Mas, qual honra?