terça-feira, 15 de setembro de 2020

Tudo uma questão de (falta de) honra

 


Já comecei e apaguei não sei quantas vezes este texto. À data de hoje, não fica muito por dizer, mas sinto-me bastante enojada com tudo isto.

Ainda que Luís Filipe Vieira parecesse o mais impoluto dos portugueses em geral e dos presidentes e candidatos a presidente de um clube de futebol “dos grandes” em particular, mandava o mínimo de bom senso – deixando a decência de parte, que isso, já se sabe, está para lá de démodé – que, pelo menos, o primeiro-ministro de Portugal não chafurdasse na lama, menos ainda, com prazer. Mas, como todos sabemos – até porque já nos dito de várias formas diferentes – uma coisa é uma coisa, outra coisa são os clubes de futebol. E o futebol é aquele desporto onde tudo é permitido, não é?, o insulto higiénico, os meandros dos negócios para lá de bilionários, obscenos, e a complacência com os pecadilhos dos homens da bola, os mesmos pecadilhos que não se perdoa a mais ninguém.

Já tínhamos assistido ao caso Rui Moreira e FCP, que fez correr tinta assim-assim. Mas, sim, no caso de António Costa, a “falta de recato” é maior. É colossal. É daqueles actos dignos de países sabujos, onde abunda a promiscuidade e a corrupção entre todos os poderes instalados. E é, também, por isso que a culpa não é de António Costa; é de todos nós. Um país inteiro que se habituou a encolher os ombros, sem pedir responsabilidades, complacente com todas as formas de prostituição entre políticos-advogados-banca-futebol (é possível que me tenha escapado algum hífen): "são todos iguais", sem permitir a ninguém ser diferente. É o sistema. Menos mal, que temos o André Ventura para nos dizer que o futebol não se mistura com política. O resto, é tudo uma campanha para denegrir a imagem de uns quantos, os de sempre, porque, já se sabe, somos um país de invejosos e a Ana Gomes é uma populista histérica: se fossemos a acreditar em tudo o que diz, “teríamos de supor que todos os políticos, todos os advogados, todos os presidentes de clubes, todos os gestores e todos os empresários são trapaceiros”. E, no geral, não são, não é?, são só azares, coincidências do diabo, offshores fofinhas e coisas que tal.

Criam-se leis, decretos, despachos e um sem número de etceteras para prevenir – ou fingir que se pretende – todas as formas de abuso, e vemos tudo isso ruir ao mínimo aborrecimento. A lei não permite que um juiz desembargador jubilado acumule o que recebe no gozo desse estatuto com outra qualquer actividade remunerada, pública ou privada? Se o juiz entender que há casos em que pode, pode. É preciso pedir uma autorização para tais casos ao Conselho Superior da Magistratura? Pois, parece que sim. E se não se pedir, qual é o castigo? Qual castigo, então não se sabe que se há coisa que as nossas elites todas sabem fazer muito bem é separar coisas, nomeadamente, o pessoal e o privado, compatível do incompatível, o certo do errado e, por maioria de razão, o futebol e a política?

Há tanta coisa mais para acrescentar aqui, exemplos gritantes de como são poucos os que que têm noção de dever e serviço público, que encheria páginas e páginas de links e notícias indecentes. Transversais a todos os governos desde há décadas. É esta a nossa miséria. Ladra-se alternadamente, consoante mudam as cadeiras. Os que se sentem arrogantemente impunes, sentem-no porque, de facto, o são. Sobraria a honra. Mas, qual honra?