domingo, 18 de outubro de 2020

Tons de Outono


Gosto de me sentar naquela esplanada ampla. Sobretudo naquela. A ouvir o mar. Em dias calmos de Outono, o pontão de pedra gasta, esboroada, que se desenha num quadro, ao fundo, à minha esquerda, surge um pouco ao abandono. Espantosamente belo na sua solitude. Em dias assim, a água estremece levemente, num palpitar sereno, por um largo período de tempo. Generosamente iluminada, ainda. Uma pele suave, prateada, que ondula languidamente sob o imenso céu azul na sua soberba turquesa e nua, ameaçando incendiar-se ao final da tarde. 

Mas, em dias de mar agitado, as ondas crescem ao longe para virem explodir na rocha costeira, subindo vertiginosamente pela pequena torre do amarradouro antes de se projectarem, com estrondo, em estilhaços salgados, brancos de espuma, multi-direccionados, fulgurantes como raios de sol. Nesses dias, posso ouvir o queixume da rocha sob a inclemência da água, que, do outro lado, faz arrastar sobre a areia as suas ondas brancas, majestosas nos seus vestidos de folhos. Quando, ao chegar à praia vazia, se deixam tombar e desfalecem, desfazem-se das suas pregas perfeitas, esvaziando-se, apressadas, num crepitar morno e lamuriento. 

Também gosto do pontão em dias assim. De saudade imperfeita. Assombrado pela fúria caprichosa da intempérie que afasta os que não suportam os seus humores. 
Se não houver ninguém, posso roubar o tempo para mim. Suspensa de memórias que guardo, de palavras que li e ouvi e onde, por momentos, por acaso, me encontrei; num pedaço a que não pertenço, numa urgência que intuo e ao mesmo tempo rejeito, por achar que me confundo. Porque não sou tudo o que escrevo e não escrevo tudo o que sou. E, no entanto, é como se nada ficasse por dizer.
Também guardo silêncios. Também neles me encontro. Nos silêncios de que me faço. Em tons quentes de Outono. Os meus.