segunda-feira, 5 de abril de 2021

Gosto de tulipas vermelhas. Mais do que gosto de rosas vermelhas, de que, na verdade, não gosto tanto assim. E, rosas, só se forem realmente vermelhas, enquanto as tulipas podem ser de qualquer outra cor. Mas prefiro as vermelhas. Ou, então, naquele tom beringela escuro e aveludado, no quase negro da noite, o negro do ciúme e da cobiça do romance de Dumas.

Gosto especialmente das tulipas que se colhem preservando o bolbo no final da delicada haste e enchem o fundo largo da jarra de vidro transparente que deixo em cima da mesa grande da sala.

Nunca deveriam ser arrancadas da terra, eu sei. Repousariam aí para sempre na sua imensa luxúria, enchendo os jardins de matizes exuberantes. Espoliadas do aroma ébrio das rosas, perfumam o ar pela opulência das cores. Uma vingança bela e ardilosa sobre os caprichos da Natureza.

São das minhas flores preferidas, as tulipas. Também gosto da simplicidade dos malmequeres. Brancos ou amarelo-vivo. E naquele tom soberbo de púrpura. 

Quando era miúda tinha um daqueles livrinhos inúteis, minúsculos, que nos guiava no significado das diferentes flores. Como se fosse preciso. Como se não bastasse olhá-las para perceber dos seus artifícios, assim sobrando qualquer necessidade de palavras. Às vezes, queria escrever sem palavras. Tudo dizer escrito, sem conjugações. Queria compor um poema no pó das estrelas, no pranto ofegante das ondas que se desfazem sobre as rochas. Trocar o murmúrio das palavras sussurradas no papel pelo crepitar rouco do vento gelado das terras altas, em cujas montanhas se empoleiram as nuvens, sobre o manto branco da neve com que se confundem. Ou, ao contrário, pela unissonância suave e morna do vento agora menos vento, menos frio, quase meigo, que mordisca sem pressa a pele do meu rosto. Queria pendurar letras nos raios dourados do Sol da Primavera, meu fiel aliado, como o de Outono, porque se compadece da minha pele demasiado pálida e demasiado sensível ao ardor do Sol de Verão, que não suporto. 

Queria fazer-me ouvir no vazio que sobra das entrelinhas; no silêncio precioso da ausência. Na melodia devassa de um extenso campo de tulipas.