terça-feira, 6 de abril de 2021

Pensei que, com ordem governamental para o novo passo na nossa saída precária colectiva, iria a correr tomar um café de rua. Um café-café. Bem sei que já há algum tempo podia tomar um café desses, ao postigo, vertido naqueles miseráveis copos de plástico, ou de cartão, agora, que eu dispenso já desde os tempos da faculdade muito mais dados a essas pequenas-grandes loucuras de momento. Para lá disso, tenho também consciência de – aparentemente, pelo que leio e ouço  ser a única pessoa neste desterro moderno que se revelou incapaz de desencantar um prevaricador que fosse que se me juntasse nesse novo crime de tomar café em pecado, fora das minhas portas e dentro de portas alheias, nas traseiras manhosas de uma qualquer espelunca, com ou sem nome de código. O café, não necessariamente a espelunca. Mas, agora, finalmente, podemos tomar um café à luz do dia, nunca ao balcão, numa esplanada decente. Coisa que imaginei fazer-me tanta falta como o ar que respiro e, afinal, não. O que me torna duplamente desagradecida: sempre podia ter aproveitado o pretexto do café para melhorar a qualidade do ar que respiro libertando-me da máscara durante esse breve momento de prazer. Ainda não foi ontem. Hoje, talvez. Poder ficar sem máscara entre gente estranha e sem olhares reprovadores.

Tenho sido competentemente cumpridora das regras que nos mantêm sequestrados há mais de um ano, a sério que tenho. Mas acho ridículo o uso de máscara em regime de açaime, ao ar livre em espaços pouco movimentados. O facto de, aí, não estarmos legalmente obrigados a usar máscara (partindo do princípio da legalidade dessa obrigação fora daí, e eu parto do princípio de que sim; escrupulosamente) não impede olhares enjoados. E as tão estimadas bocas. Eu lido bastante mal com bocas mal-amanhadas. Daquelas cuspidas para o ar em tom beato (à distância mínima de segurança, isso sim) e insuportavelmente cobarde, porque nunca resistem a uma abordagem directa. 

Adiante. Falava do imenso prazer de me sentar outra vez numa esplanada e tomar um café-café demoradamente e que, atabalhoadamente, decidi desperdiçar. Tonta. É preciso aproveitar os próximos dias com a avidez da urgência. Ando há dias a ouvir as homilias dos principais pivots de televisão subir de tom, alternado entre o entusiasmo com o entusiasmo da vacinação e do cheiro a desconfinamento e a ameaça da subida do mal-fadado érre-tê que nos há-de encarcerar novamente. Ao chegar da terceira ou quarta vaga, ainda não percebi bem. Se a coisa descamba, voltamos ao cativeiro dos dias passados há quase nada. Portemo-nos bem, então.