O dia amanheceu
menos amarelado. Parece que, finalmente, se extinguiram as poeiras do Norte de
África. Durante os últimos dois ou três dias, ameaçaram engolir os céus como numa
das pragas bíblicas do Egipto. Mas, hoje, no meu céu, o azul abriu caminho com
bravura. Pelo dia fora, nuvens gordas, brancas como natas, foram varrendo as
outras, sujas, com a resiliência abnegada dos justos. No final da tarde,
restava apenas uma faixa estreita de dourado velho logo ali acima da linha do
horizonte; a gola curta, delicada, de uma camisola de malha fina.
De resto, sou capaz
de jurar que o portão da minha garagem se abre animado de vontade própria. Sem a
intervenção de palavras mágicas ou de ondas conhecidas do espectro electromagnético.
Sem intermediários. Por diversas vezes, tocando eu apenas no interruptor da luz,
da outra, da inofensiva para o efeito, ouço-o gemer, em aviso, antecipando o movimento lento da subida que,
por si só, decide empreender. E, não, grande parte das vezes, não vem ninguém
do outro lado. Ninguém deste mundo, pelo menos, embora, por vezes, eu fique na
expectativa de ver chegar alguém do outro. Uma sombra misteriosa, uma aragem
gélida e repentina, um arrepio na pele, enfim, o resfolegar breve que fosse da
luz das lâmpadas que pendem do tecto. Mas não. Um capricho da máquina, tão-somente.