“A partir do momento em que foi reconhecido,
o absurdo é uma paixão, a mais lancinante de todas. Mas o problema está em saber
se podemos viver com as nossas paixões, se podemos aceitar a sua lei profunda,
que é a de queimar o coração que elas ao mesmo tempo exaltam. Ainda não é este,
porém, o problema que vamos pôr. Está no centro desta experiência e temos que voltar
a ele. Reconheçamos antes estes impulsos nascidos do deserto. Basta
enumerá-los. Também são hoje conhecidos de todos. Sempre houve homens para
defender os direitos do irracional. A tradição daquilo a que se pode chamar pensamento
humilhado nunca deixou de estar viva. A crítica do racionalismo foi feita
tantas vezes que até parece impossível refazê-la. No entanto, a nossa época vê
renascer esses sistemas paradoxais que se esforçam por fazer tropeçar a razão,
como se, na verdade, ela sempre tivesse caminhado em frente. Isto, porém, não é tanto uma prova de eficácia da razão como da vivacidade das suas esperanças. No
plano da História, esta constância de duas atitudes ilustra a paixão essencial
do homem atormentado entre o seu apelo à unidade e a visão clara que pode ter
das paredes que o encerram.”
O Mito de Sísifo
Albert Camus