terça-feira, 31 de maio de 2022

“A partir do momento em que foi reconhecido, o absurdo é uma paixão, a mais lancinante de todas. Mas o problema está em saber se podemos viver com as nossas paixões, se podemos aceitar a sua lei profunda, que é a de queimar o coração que elas ao mesmo tempo exaltam. Ainda não é este, porém, o problema que vamos pôr. Está no centro desta experiência e temos que voltar a ele. Reconheçamos antes estes impulsos nascidos do deserto. Basta enumerá-los. Também são hoje conhecidos de todos. Sempre houve homens para defender os direitos do irracional. A tradição daquilo a que se pode chamar pensamento humilhado nunca deixou de estar viva. A crítica do racionalismo foi feita tantas vezes que até parece impossível refazê-la. No entanto, a nossa época vê renascer esses sistemas paradoxais que se esforçam por fazer tropeçar a razão, como se, na verdade, ela sempre tivesse caminhado em frente. Isto, porém, não é tanto uma prova de eficácia da razão como da vivacidade das suas esperanças. No plano da História, esta constância de duas atitudes ilustra a paixão essencial do homem atormentado entre o seu apelo à unidade e a visão clara que pode ter das paredes que o encerram.”

O Mito de Sísifo

Albert Camus