E da nossa vergonha também. O que se vai
lendo nos jornais sobre as entranhas do despacho de acusação do Ministério
Público ao caso BES, com Ricardo Salgado à cabeça, ou quase sem ela, é de fazer
vergar de vergonha um país inteiro. Parece que o homem que já foi dono disto
tudo – aparentemente, de forma muito mais literal do que supúnhamos, os incautos
– tem prontinho a sair um livro de memórias, de modo que, o melhor é apertarmos
os cintos, enquanto os mandados disto tudo apertarão mais qualquer coisa. Vai
continuar a não ser bonito.
Entretanto, um José Maria Ricciardi ilibado
daquilo tudo e telefonicamente histérico, exaltou, em crescendo para terminar aos berros (ok, quase), na SIC Notícias,
o seu desejo de ver uma certa senhora desaparecer de vez. A senhora em questão
é Mariana Mortágua, que, como toda a gente sabe, tem um problema com bancos, banqueiros
e derivados de ambos.
O motivo do desabafo histriónico de
Ricciardi são as declarações de Mariana Mortágua à TVI, na sequência da decisão
do Ministério Público de ilibar o primo de Ricardo Salgado de todos os crimes.
A deputada acredita que Ricciardi tinha conhecimento da fraude, dada a sua
posição na estrutura do império que já foi santo, Ricciardi não gostou do que
ouviu e mandou a senhora remeter-se ao silêncio ou desaparecer de vez. Quem
está habituado a mandar muito e passa a mandar menos, tem alguma dificuldade em
habituar-se. Sim, pessoalmente, nutro mais simpatia pela senhora Mortágua, do
que pelo senhor Ricciardi. A primeira tem, pelo menos, uma qualidade que
admiro: consegue nunca elevar o tom de voz, mesmo que a situação o exija, e, como
se sabe, não há nada pior para quem gosta de gritar do que esbarrar na
contenção irritante do alvo.
Por falar em mandar calar, foi notícia (há tempos) a decisão – que, afinal, já não o é – de instruir os professores da Nova SBE (que, como escreveu Daniel Oliveira num belo artigo de opinião, é uma faculdade pública, mas pouco, e portuguesa com enviesada certeza, a começar na língua em que se ensina e aprende) que professam opiniões em jornais e afins, que deixem o nome da faculdade em paz. Na paz da omissão, para não melindrar os senhores que pagam as contas. A pecadora-mor tem nome, Susana Peralta, e mantém a heresia de usar o nome e o cargo na assinatura dos artigos que escreve no PÚBLICO. Gosto muito de a ler e hoje fui lá buscar o título disto tudo. Mais ou menos. Também gosto muito de títulos, embora não tenha apreciado o livro, a propósito de heresias.
Mas, há quem devesse calar-se de vez em
quando, para não dizer disparates. Por exemplo, António Costa, sobre a não negociação de valores. Há exercícios de hipocrisia (para ser mansinha)
extraordinários. E a Hungria devia ser expulsa da União Europeia, parindo do princípio que continuará a haver União Europeia. Também concordo com Rui Tavares, embora, aqui, não se
defenda exactamente isso. Não foi bonito, senhor ministro.
E não é que António Costa e Angela Merkel fazem hoje anos? No mesmo dia em que se inicia a cimeira extraordinária de líderes europeus que há-de selar as condições para o plano de salvação da nossa economia supostamente comum? Ele há coincidências do diabo! Esperemos que, deste vez, o diabo seja bonzinho...