“Chegando
em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto
de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo,
fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que
não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava
as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade.
A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia.
Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha
delicada. Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no
colo, sem tocá-lo,
em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o
seu amante.”
Felicidade Clandestina
Clarice Lispector