sábado, 31 de maio de 2025
sexta-feira, 30 de maio de 2025
Não
sou dada à astrologia, mas, se me surge um daqueles predicativos lustrosos que enchem as janelas
ditas pop-ups (mesmo contra a nossa vontade…), como “os signos que
têm autênticos corações de pedra”, ou “lágrimas, nem vê-las”, a
curiosidade leva-me a melhor. Foi o caso. Queria confirmar – não que duvidasse –
que um desses seria o meu. Obviamente. Mas não é verdade que não me comprometa
muito nos relacionamentos, como aí também se dizia: comprometo-me bastante, só
não facilmente. E a perda não dói menos, só não cobro, não espero retribuição, deixo
partir sem escândalo quem deixou de me querer, e (quase) nunca choro. Quando me
trouxeram a notícia da tua morte, só muitos dias depois fui capaz. Talvez o meu
coração tenha empedrecido aí.
quinta-feira, 29 de maio de 2025
quarta-feira, 28 de maio de 2025
"No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main. If a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were, as well as if a manor of thy friend's or of thine own were: any man's death diminishes me, because I am involved in mankind,
and
therefore never send to know for whom the bells tolls; it tolls for thee.."
John Donne, "Devotions upon Emergent Occasions"
terça-feira, 27 de maio de 2025
Talvez mereça castigo, mas Andrew Scott foi o meu primeiro Ripley. O de
Patricia Highsmith ainda não saiu da minha estante – como é possível? – e dos filmes
anteriores vi apenas excertos. Diz quem sabe que não há três Ripleys
iguais (quatro, se contarmos, como é devido, com o de Highsmith); talvez não seja
grave começar pelo da Netflix. Teria valido a pena apenas para namorar a Itália
a preto e branco – matrona e decadente, belíssima; ela própria personagem emergindo
dos grandes planos, ao ritmo das sombras que atravessam o labirinto de espelhos
de Tom. Espelhos de perdição. Tom Ripley, o impostor irresistível, a quem
Andrew Scott empresta uma singularidade angular. Silêncios precisos e gravidade
litúrgica. A violência normativa que absolve. Há algo de profundamente
perturbador na forma como a maldade crua e milimétrica de Ripley se insinua na
nossa (ou na minha) simpatia. Tragédias a contraluz que exaltam a cumplicidade,
cuidado, há marcas de sangue nas escadas, não, não vás por aí, em vez de repulsa pela malvadez. E, às vezes, nem há génio, apenas preguiça, desprezo pelos
outros, um quase ridículo, e, claro, uma sorte absurda. Magnífico, o meu
Ripley tardio. A maldade fingida é inofensiva, mas pode ser igualmente perversa.
terça-feira, 20 de maio de 2025
O
processo de extermínio que o governo de Benjamin Netanyahu está a levar a cabo
em Gaza é mais do que obsceno. Há muito que aquela orgia de sangue, destruição
e morte deixou de ser uma questão de segurança ou defesa: é ódio em estado
bruto, quase lascivo na crueldade subversiva para com uma população inteira. Denunciá-lo
não tem qualquer relação com antissemitismo.
Post Scriptum
Luís Montenegro arriscou e venceu. A derrota do PS no Domingo passado também é uma derrota pessoal de Pedro Nuno Santos, o homem que geriu com a leviandade que se conhece o dossier TAP, mais os três mil milhões de euros dos nossos impostos que a empresa devolveria, palavra de honra, aos cofres do Estado, e, ainda assim, achou que teria condições de desafiar o primeiro-ministro para um duelo de ética sobre o escândalo – e é um escândalo, por mais que se finja – Spinumviva. Era preciso mais competência e menos ingenuidade. Não que eu perceba muito do assunto; sempre achei risíveis as pretensões de André Ventura, primeiro, a ambição de chegar a terceira força política, depois a primeiro-ministro, e, no entanto, aqui estamos. André Ventura é um vencedor, por muito que me custe perceber e admiti-lo.
É tempo de despir o nojo e reagir. Talvez não seja pior chamar André Ventura a mostrar o que vale e obrigá-lo a fazer escolhas. Deixem-no no conforto de berrar sozinho, como até aqui, e, nas próximas eleições, será a AD a desaparecer do mapa. Já não parece tão absurdo, pois não?
domingo, 18 de maio de 2025
sábado, 17 de maio de 2025
Lugares
suspensos de uma geometria impossível, onde o tempo corre circular, livre,
líquido, no limite do incumprido: é aí que te consinto. Há qualquer coisa de
absurdamente sensual nesse intervalo de cinzas e sombra, na cartografia
invisível da impermanência que me mantém alerta. Refúgios à margem de mim, antecâmaras
de ecos sitiados que ressoam com a avidez de um arrepio no ventre, um travo de
abandono predador que atravessa o vazio e suspende o verbo. A consciência do
abismo. Fragmentos de um tempo antigo, quando todos os caminhos pareciam traçados
sobre a minha ausência.
terça-feira, 13 de maio de 2025
Vínculo
A
irlandesa sentada a almoçar no lugar ao lado do meu não acredita que eu tenho
um filho de 18 anos: what?!, that´s insane!, i´m shocked!, e outros
impropérios. É irredutivelmente vegan e mais ou menos pró-clima, vive num barco
ancorado no Tamisa com o namorado português, ponderam vir viver aqui, a seu
tempo, mas no way pensar em ter filhos. Eu percebo. Eu própria não
acredito que tenho um filho com 18 anos e mais uns poucos de meses, mas tenho.
É o meu maior feito. Não apenas meu, mas ainda meu. É leal, curioso, assertivo,
de um pragmatismo exasperante, de um tempo que não é este, tem um sentido de
humor apurado e moderadamente cínico – espero que o suficiente para resistir a
este mundo trágico. Tornou-se muito mais do que eu fui tentando ensinar, e emociona-me
vê-lo sair do meu colo, ser além de mim. Votará este ano pela primeira vez – porque
quer e porque pode. Não recordo alguma vez ter desistido de votar. Quando foi
tempo, levei-o comigo, primeiro no carrinho de bebé, depois pela mão,
minúsculo, autárquicas, legislativas, presidenciais, europeias, sempre, até ao limite. Será
uma liberdade relativa, essa de poder ir às urnas fingir que ainda temos na mão
o destino do país, quando, por actos e omissões, consentimos em entregá-lo aos
impostores do costume, mas parece-me mais insuportável desistir. Nunca fui
capaz de perceber quem abdica desse enorme privilégio, o voto, embora,
confesso, nesta eleição em particular esteja quase quase a considerar menos irracional
virar as costas: votar para mudar a banha ou para mudar a cobra? Mas devo-o,
sobretudo, ao meu filho: acreditar que pelo voto podemos mais, e que não votar
é uma traição maior à esperança, se não para hoje, para as tempestades que se adivinham.
domingo, 11 de maio de 2025
Entrego-me
à tua ausência diáfana, como quem despe a
Noite
fria de mármore, entre o ser e o não ser.
Transmutação
inquieta sem destino lavrado,
Refúgio de antinomias: habita-me o vazio como uma constelação inversa
Onde
tudo se dissolve, e ontem já não importa.
Paradoxo
do eterno e do efémero; não há início, não há fim, há o
Instante
absoluto que repousa na fronteira da memória exilada,
Alquimia
de silêncios onde convergem todas as promessas.