sábado, 29 de novembro de 2025

 

Já contei; mais de uma vez. Durmo tão profundamente como se morresse a cada noite. É tão absoluto o meu sono que há manhãs como a de hoje em que preciso de descolar-me do colchão, insuflar-me de vida; um balão esvaziado até à última bolsa de ar. Há uma quase violência nisto, como uma criatura de Frankenstein.

Como de outras vezes, devo tê-la trazido daí, do nada em que repouso. 




quarta-feira, 26 de novembro de 2025

 "Aedh Wishes for the Cloths of Heaven

 

Had I the heavens’ embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams."




segunda-feira, 24 de novembro de 2025

 

Novembro é o meu mês. Seria sempre o meu mês: gosto do fim consumado do Verão, das camisolas de lã, das luvas, golas tremendas onde aninhar o pescoço. Definitivamente, gosto de me despir do calor pegajoso de Agosto, que há muito se prolonga por Outubro, e me deixa sempre doente. Gosto do tempo que posso perder sobre o mar da minha varanda, sobretudo nestes dias frios, em que é maior o silêncio e a densidade da noite. É o meu maior luxo, talvez, o tempo que tenho para perder.


domingo, 23 de novembro de 2025

– Estás a sorrir porquê?

 

Não tinha percebido, mas devo estar a sorrir, sim. Há alguém capaz de não sorrir quando ouve David Attenborough? Aquele maravilhamento permanente, quase infantil, com a beleza absoluta e absurda da Natureza? É irresistível.




sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Ainda me sinto enojada com a notícia do menino de nove anos, a quem colegas da escola agrediram tão barbaramente que resultou na amputação de dois dedos da mão.

É possível que a violência obscena que grassa nas redes, mais do que impunemente, exaltada por turbas de milhares, milhões, de seguidores frementes de raiva não tenha qualquer influência neste crescendo de horrores – violações em grupo de adolescentes por adolescentes, publicadas no TikTok; agressões filmadas e partilhadas como troféus; a agressão convertida em entretenimento –, que sempre houve velhos do restelo contra o avançar do mundo, da rádio à internet, e que a maldade intrínseca medra sozinha. É possível, mas não acredito.

Se é verdade que a natureza humana é complexa e sombria de mil e uma maneiras, a eleição de Donald Trump como presidente da (ainda?) nação mais poderosa do mundo democrático, a sua aceitação como símbolo de poder e mudança elevada, agora, à idolatria, abriu a caixa de Pandora, animou-a, desencadeou um movimento de subducção que ameaça a civilidade. Não é uma casualidade simplista, como se Trump fosse, de repente, única e directamente responsável pela violência do mundo, mas foi, evidentemente, um catalisador. A sua aprovação como chefe de Estado, daqueles Estados, contribuiu para normalizar e legitimar a brutalidade, primeiro, no discurso político, depois, na acção governativa. Trump ergueu um exército de servos para quem o poder e o dinheiro estão acima de qualquer outro valor, e qualquer meio é válido para lá chegar: insultar, perseguir, intimidar. "Quiet, piggy" para calar uma jornalista, ou sugerir ameaças de morte sobre um grupo de adversários políticos; atiçar, constantemente, a sua matilha contra todos os que ousam desafiá-lo. Não é também isto que faz um ditador? Provavelmente, nem seria preciso perder tanto tempo a branquear os ficheiros Epstein, deixando apenas o rastro de todos os inimigos: Donald Trump tornou-se intocável.

Não admira que Cristiano Ronaldo se tenha juntado à corte, acompanhando o dono Mohammad bin Salman. Cristiano Ronaldo é um formidável atleta. Tem aquela capacidade rara de converter críticas em metas, superando-se permanentemente; depois disso, é outro homem deslumbrado por si próprio, pelo seu poder. A sua associação a figuras autoritárias não é acidental, é o símbolo de um tempo onde o poder pessoal, a riqueza e a impunidade parecem ter-se assumido como valores supremos. E o poder desta gente sobrevive à custa dos que fazem da idolatria um modo de vida. Como foi que disse Salvador Sobral, naquele concerto pelas vítimas de Pedrogão Grande, na ressaca da vitória do festival Eurovisão? Pois. Com a diferença, enorme diferença, de que Salvador Sobral estava – e suponho que ainda – visceralmente consciente da farsa.

 

Devia ser permitido adorar apenas os mortos.





quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Por falar (outra vez) em Klimt


Isto é uma indecência, que lamento imenso não poder pagar.





sexta-feira, 14 de novembro de 2025


Eu também gosto de ti, ó chuva, mas, o que ontem me manteve encerrada mais de vinte minutos no carro estacionado, não eras tu, não era chuva.

Desisti, voltei para casa e reorganizei a minha agenda.

A avenida por onde passo todos os dias coberta por um lençol de água lamacenta. Subia-se e descia-se em cortejo, lentamente, cegamente, gente amontoada nas paragens de autocarro minúsculas para dilúvio tamanho, um lago castanho à porta da escola vazia, a sirena próxima de um carro de bombeiros rasgando o pranto aceso daquele céu de fim de mundo.

Não me sai da cabeça o casal de velhos, afogados no próprio quarto, a água devorando a casa que habitavam há quarenta anos.


quinta-feira, 13 de novembro de 2025

 

É verdade, a BBC, com o seu documentário infelizmente editado, não mostra um Donald Trump muito diferente daquele que instigou "patriotas" a assaltar o Capitólio. Daí que tudo me pareça tão nonsense: porquê, para quê, sabendo que aos mentirosos histerico-narcisistas compulsivos basta meia gota de água para fazer transbordar um copo vazio? Vinte e seis artigos da BBC a bater na BBC não redimem a BBC; não quando a "vítima" é um transgressor adorado por meio mundo, vingador e vingativo, aglutinador de todas as nossas amoralidades. É perverso. A própria tentativa de correcção alimenta o monstro, é da mais básica psicologia. Ou psicopatia… 




Stanislaw Szukalski


Struggle, por falar em "jóias escondidas" na Netflix. (E gosto da Bárbara Reis).







quarta-feira, 12 de novembro de 2025

 

Gosto do beijo e das florestas de Klimt.











https://wikioo.org/pt/


terça-feira, 11 de novembro de 2025

O Feiticeiro Oz

 


Não deixa de ser extraordinário, embora Oz Pearlman fosse incapaz de adivinhar, numa primeira vez, uma perfeita estranha, que a minha professora de matemática de décimo ano se chamava Balbina Cavalheiro Gomes, usava um ponteiro de aço para apontar teoremas com rigor militar, tratava-nos pelo número da caderneta, nunca pelo nome, excepto o Nuno, que se sentava atrás de mim, enrolava nos dedos o meu cabelo de seda e era o único capaz de tirar do sério a professora Balbina. Ou que adoro as maçãs vermelhas que me trouxeste, de um vermelho liso, líquido, tão pecaminoso que nem as lagartas do pomar se atrevem a violar.


 

É aceitável ter um deputado a atirar beijos a outra (ou outro, era para Rui Tavares, não era?) deputada, a mandá-la calar e, a outra, para a sua terra? Não devemos chamar desprezíveis aos desprezíveis? Aturar aquilo é ser “democrata”? 

É verdade, já tivemos os corninhos e a sessão de manicure, mas, não tarda nada, temos os democratas do Ventura a cuspir para o mui nobre chão da Assembleia da República, e a aliviarem-se contra as paredes. Parece absurdo, mas o absurdo é superlativo.


segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Frankenstein

 


Depois do livro – devida vénia a Mary Shelley –, continuo a preferir o de Francis Ford Coppola…




domingo, 9 de novembro de 2025


"O piano não se toca com as mãos, mas com o corpo todo. E o corpo tem uma influência brutal na forma como fazemos vibrar a corda. É preciso saber como funciona o corpo. Como um desportista. Como um bailarino."





Tão boa, esta entrevista.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

 



António Guerreiro, jornal PÚBLICO
 

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Teremos sempre Nova Iorque


Não sei quem é Zohran Mamdani antes de o novo mayor de Nova Iorque, mas, se desafia Donald Trump, parece-me bem. O mundo pula e avança pelo sonho dos homens, e o que é o sonho de uma criatura sem uma pequena dose de loucura. Mamdani agora, Gavin Newsom em 2028, admitindo que Trump resiste até 2028, tudo o que possa revolver as entranhas do rei. Irritar, contrariar, recusar. Não temos nada disto. A nossa rebeldia agoniza entre votos de protesto, explicam-me, num partido de arruaceiros incontinentes (não chamem extrema-direita àquilo), e o regresso do sebastião Pedro Passos Coelho. Até lá, aceitamos sem sobressalto um governo de gente medíocre, liderado por um primeiro-ministro incapaz de despir aquele sorriso cínico desde que viu validada nas urnas a sua habilidade tão portuguesa. Portugal ficou mais Portugal. O advogado de José Sócrates virou (virou?) as costas ao “julgamento a brincar”, esquecendo que o país é a brincar, e só por isso ele e o seu ex-cliente podem exibir com gozo, impunes, a sua imensa desfaçatez.

Viva Zohran Mamdani.

 

 


Paralela à memória, há uma vontade. Ébria, talvez, claramente insensata, e eu esforço-me por parecer sensata, subtrair-me, acorrentar os meus fantasmas. Às vezes. Mas gosto da vertigem que alimenta este sobre-diálogo em espiral, volúvel, voluto como uma clave de sol.