terça-feira, 24 de setembro de 2024
As mãos repousam no colo, como pássaros mortos. Tem o cabelo preto e liso, brilhante como asfalto fresco. Ri fechando os olhos, e o rosto ilumina-se; um campo de girassóis abertos. A pele é negra; o negro fértil das estepes que largou com saudade, negra como as noites sem lua, abrigo murado de histórias em versos rasantes, lapidando memórias.
domingo, 22 de setembro de 2024
Durante muitos anos ouvi os “Sinais” de Fernando Alves, na TSF (e também o "Onde nos Levam os Caminhos”). Único na voz, imutável; nas histórias. Narrador exímio, curioso, inquieto, naquele modo de contar vertiginoso, de espanto permanente. Depois, Fernando Alves zangou-se, bateu com a porta, disseram-no reformado. Há dias, descobri que trocou a TSF pela Antena 1, e os “Sinais” deram lugar ao “Os Dias que Correm”. Gosto na mesma. Já li a reportagem do Río de los Niños Espantapájaros, o artigo (mais ou menos, entre o que se entende e o que se intui) de Aníbal Fernandes sobre a Língua Mirandesa, vi as couves de Valhascos, fugi da Nossa Senhora da Aflição porque já não suporto a desgraça dos incêndios que consomem Portugal a cada Verão, e (re)visitei Júlio Pomar.
Gosto. Fico a par do mundo invisível, com esse vou aplacando a fúria do outro.
sexta-feira, 13 de setembro de 2024
quinta-feira, 12 de setembro de 2024
Os cães, os gatos e os outros
Apesar
de o contacto de quem aqui escreve (eu; muitas formas de eu) não constar
desta página, já constou e há quem o tenha gravado. Às vezes, recebo mensagens
simpáticas (que agradeço, e que, por vezes, me emocionam), outras, desagradáveis. Não propriamente odiosas, a insignificância do que aqui registo não possui a
flama capaz de despertar emoções primárias, mas, não deixa de me surpreender
que um blogue sem qualquer relevância – pouco mais de 40000 visualizações em
quatro e qualquer coisa anos – incomode ao ponto de alguém (às vezes, alguéns)
desperdiçar tempo e estados de alma a apontar-me falhas. Não será de mais
lembrar: nem todos os que mantêm blogues públicos aspiram à adoração; este, em
particular, não pretende informar, ensinar, influenciar, entreter, deslumbrar,
enfim, não merece sequer o esforço de não gostar – não abram, simplesmente.
Mas,
vinha falar de cães e de gatos, e de onde teria surgido o rumor que levou
Donald Trump a acusar os haitianos de Ohio de comerem animais de estimação dos
vizinhos – ahhhh, outra vez nisto! Mas, enquanto olho o supérfluo e o alheio, não
agonio no purgatório dos pecados reais.
Aparentemente, a história começa com uma publicação no Twitter – Springfield é uma pequena cidade em Ohio, onde, há 4 anos havia 60 mil moradores; sob a administração Biden-Harris, 20 mil emigrantes haitianos chegaram à cidade e, agora estão a desaparecer patos e animais de estimação – seguida de uma outra, de um “influenciador MAGA” (parece que existe), sobre um incidente numa outra cidade de Ohio, onde uma mulher americana está acusada de matar e comer um gato. O tal influenciador especulou sobre a nacionalidade da mulher e, depois é a história do amigo que tem um amigo que tem um amigo: de “influenciador MAGA” em “influenciador MAGA”, a história culminou num apelo ao voto em Trump, se não quiser os seus animais de estimação comidos. JD Vance, por sua vez, partilhou o alguém disse a alguém, usou o nome de uma criança morta acidentalmente (por atropelamento) por um haitiano – obrigando o pai da criança a vir a público dizer que o seu filho fora vítima de um trágico acidente e não de um crime de ódio, pelo que não usassem o seu nome para propaganda política –, e incentivou os seus seguidores à propagação continuada dos cat memes (o artigo completo está aqui, não sei se de leitura aberta).
Há quem não esteja minimamente preocupado com a veracidade da narrativa, esta ou outra, o interesse não é esse. Contam com os outros, os que acreditam, piamente e sem hesitar, em qualquer história, por mais estapafúrdia, desde que atente contra o "inimigo" – já não há oponentes, adversários – e seja contada pelos membros da comunidade. Não é novidade: acreditamos mais na informação que vem de quem gostamos. A questão é outra. É aquela teimosia (ideologia, ignorância, …) que reduziu qualquer discussão de teor político à tal guerra de trincheiras. Ou és polícia, ou és ladrão. Coisa que, por cá, nos habituámos a apontar ao PCP – com as suas tiradas excêntricas sobre a virtude dos regimes ditatoriais que tanto admira –, mas a que não escapam cabeças bem-pensantes, muito liberais e muito avessas à “esquerda woke”. O facto de Kamala Harris ter recebido a nomeação democrata sem primárias é uma manobra que manchará para sempre o Partido Democrata, mas a insurreição promovida pelo derrotado Donald Trump naquele 6 de Janeiro infame não mancha o Partido Republicano, nem representa qualquer perigo para a democracia americana. Kamala Harris é prodigiosamente ignorante, sobretudo em questões de economia, Trump é um prodígio de inteligência, ungido por Deus que lhe desviou uma bala pela salvação do Mundo – a chatice que era procurar outra virgem e, novamente, anunciar Jesus.
quarta-feira, 11 de setembro de 2024
Ainda na Roménia
Carlos
III tem uma propriedade em Viscri, aberta ao público e onde se pode pernoitar.
Aparentemente, não nesta minha data: a minha Viscri é uma aldeia quase deserta,
onde o tempo repousa sem pressa.
Parece que o interesse do monarca britânico pela Roménia e, em particular, por Viscri é genético: Carlos III será descendente de Vlad, o Empalador, o que, inclusivamente, lhe garantiria o trono da Roménia caso a Roménia voltasse a ser uma monarquia. Li não sei onde. Bem me parecia que havia qualquer coisa de Drácula naquele quadro…
"You're running against me"
Embora não parecesse. Donald Trump nunca olhou para a sua adversária – talvez logo no início, quando Kamala se aproximou para o cumprimentar – e nunca se lhe dirigiu (ela isto ela aquilo, eles são maus e eu sou magnânimo), excepto para a mandar calar.
A política americana é uma coisa orgânica, é uma coisa viva. Para quem gosta de política, tem tanto de excitante como de viciante. E o que acontece nos EUA não fica nos EUA: queiramos ou não, gostemos ou não.
O resultado das próximas eleições americanas continua difícil de prever (vá lá entender-se porquê), mas Kamala Harris conseguiu irritar Donald Trump – toda a gente sabe como a tarefa é árdua. Não é preciso um especialista para decifrar a linguagem daqueles dois corpos em debate, Trump à beira de um ataque de nervos, Kamala quase coquete, entre a firmeza e o sarcasmo: pode não ter sido perfeita, mas foi bastante eficaz; o que sairá daqui, ninguém sabe.
Para recordar
segunda-feira, 9 de setembro de 2024
Não experimentei o sismo. Felizmente. Um dos meus maiores medos – desses em que não me permito pensar muito, para não me tornar histérica – é o de ser apanhada num desses grandes desastres naturais. Sei que, onde vivo, se sentiu fortemente. Conta-me uma amiga que foi um susto horrível: o ruído, o abalo. Talvez não tivesse sido tão impressionante se não tivesse ocorrido de madrugada, na tranquilidade do sono. Mas eu estava ainda em Bucareste, a aproveitar as últimas horas antes do regresso. Nem pequena Paris, nem nova Berlim: Bucareste. Decadente e bela, corrompida pelo tempo e pela História, austera, mas graciosa, viva, Bucareste de olhos velhos e prédios feridos, soberba na sua diversidade cultural, arquitectónica, religiosa, até.
Quase não se ouve falar português; o “olá” sonoro, no interior do “Caru’ cu Bere”, enquanto admirava os vitrais, as pinturas nas paredes, as colunas douradas, apanhou-me totalmente desprevenida. Sim, estavam admirados como nós, com a beleza, a modernidade, a civilidade (todos os preconceitos que juramos não ter), haviam chegado há dois dias, nós partiríamos dentro de dois dias, era a primeira vez dela e a segunda vez dele, nós éramos estreantes em fim de viagem, com muitos quilómetros de boas memórias.
Pangloss...
Tem-me custado o regresso à actualidade. Começo por onde? De cada vez que tento assimilar um acontecimento absurdo, surge absurdo maior. Agora mesmo tenho na memória o entusiasmo de Marques Mendes por ter aprendido com a IL a palavra genuflexório. Clara de Sousa também nunca tinha ouvido. Não é dramático, mas é espantoso. Nunca leram Agustina. Ou Júlio Dinis. Ou Camilo Castelo Branco.
Há criminosos em fuga em todos os cantos do mundo; desses que se escapam das prisões também. O que torna tudo mais admirável em Portugal são estes parece que inevitáveis contornos de paródia: a cerca eléctrica que não funciona porque a luz vai abaixo; a escada que se guarda depois da fuga; a prisão de alta segurança sem director, um "chefe" de baixa há um ano e um guarda prisional para monitorizar 200 câmaras de vigilância. Os fugitivos são muito perigosos, mas fazemos piadas, como os tontos, para iludir os fracassos.
A Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna foi assaltada. Levaram oito computadores, mas só dois estavam a funcionar. As câmaras de vigilância filmavam, mas não gravavam. Parece o assalto aos paiós de Tancos: o sistema de video-vigilância não funcionava há anos – o que não impedia os guardas de substituir, diligentemente, as cassetes... – e foram roubadas muitas armas, mas obsoletas algumas; ou, se calhar, não. Não são assaltos, são limpezas sazonais.
A nossa desgraça é não haver quem se leve a sério. Importa pouco que seja um governo de esquerda ou um governo de direita. É uma mediocridade lavrada. Enraizada, interiorizada. Entre a incompetência e o amadorismo, meia dúzia de palavras de circunstância, fingir que há gente ao leme, quando não se vislumbra nem saber nem rumo. Poses patéticas, como as de Luís Montenegro de lancha no Douro, para "transmitir apreço" numa missão que exigia decoro por parte de quem ocupa o lugar de Primeiro-Ministro.
O Mundo não vai melhor.
segunda-feira, 2 de setembro de 2024
O Universo de Salvador Dalí
Nunca
me canso de Salvador Dalí. Depois de visitar (há alguns anos) a sua Casa-Museu, em Figueres, parece
não sobrar nada que mereça uma alteração de última hora num roteiro de férias
já programado com gula, mas não fui capaz de resistir ao Universo de Dalí, em Bucareste.
É
aquela beleza demente e crua, distorcida, que queima e consome, mas vive e vibra. Tudo
o que preferíamos manter oculto está ali. Mestre do caos. Cirúrgico,
egocêntrico, irritante.